- Qual foi, Pequeno? Minha prima bem falou que quer dar pra tu. Ela tá ali no canto, ó? Tá vendo? – a mulher apontou na direção da viela. – Pediu pra eu te dar esse papo, porque ela tem namorado e o boy não pode saber, entendeu?
Não era novidade aquele tipo de situação acontecer. Abner Pequeno
sabia bem que sua aparência de macho grande, forte, troncudo, com cara de ruim,
negão e de voz grave, chamava a atenção onde quer que ele fosse, independente
de qual área da favela estivesse. Principalmente no dia em que completava 28
anos de idade, não tinha como ser diferente. Encostado no muro lateral da
viela, o mavambo tirou a mão de cima da pistola na cinta, deu um sorriso e
segurou uma mecha do cabelo da moça entre os dedos, arrancando um risinho sem
vergonha da danada.
- Vem cá, qual é o teu nome? – ele quis saber, sem desfazer
daquele charme irresistível pra cima da rapariga.
- É Penélope. Por que?
Aí deu outro riso antes de responde-la.
- Nome de princesa, já te deram o papo? Hehehehe. É tu ou é tua
amiga que tá querendo me dar a bucetinha, Penélope?
Fez a pergunta, pôs o dedo escuro e grosso no queixo da mulher e
olhou no fundo dos olhos dela, deixando a coitada com as pernas bambas, só pela
encarada pesada e crua.
- Eu... – ela até gaguejou, incapaz de não reparar na arma
pendurada na cinta do macho. – Eu... Sou doida pra fuder contigo, Pequeno. Mas
meu namorado não pode saber, por nada nesse mundo!
Ciente de que a putaria tava certa, ele não parou de sorrir. Deixou
a mão deslizar do queixo da moça e chegar no ombro, só pra manter o contato
físico enquanto eles se olhavam compenetradamente.
- Eu sou bandido, garota. Ando armado pra cima e pra baixo nessa
favela, não tô nem aí se o puto do teu macho vai saber.
Ouvindo essa resposta, a patricinha chegou a ficar trêmula.
Mesmo morando em uma favela carioca, ela ainda se assustava com as dinâmicas
dos marginais portando fuzis e metralhadoras a todo momento diante dos seus
olhos. Mais do que isso, a safada não conseguia segurar o tesão que sentia pelo
negão corpudo e todo bruto que Abner era, apesar de se sentir nervosa com a
visão da arma presa no quadril do cafução. Ele tava sem blusa, o short caindo
pela cintura, boné pra trás, suor escorrendo no meio do peitoral e descendo
pelo tórax definido, onde ficavam os vários cordões de ouro do malandro. Os
dedos também eram cheios de anéis dourados, pra não falar do baseadinho fininho
pendurado no canto da boca, perto dos dentes de ouro. E o que dizer do
comportamento desaforado e mandão do traficante?
- Mas tem um caô, Pequeno. – ela continuou, toda sem graça. – É
que meu namorado, ele... Também é bandido. Lá em baixo, no Éden. Não queria que
ninguém se matasse por causa de buceta, tá ligado?
Foi nesse momento que eles caíram em divergência. Ao processar o
significado daquele pedido, o marginal não segurou a graça e soltou uma
gargalhada sincera na cara de assustada de Penélope, que não entendeu bem
aquela reação. Há poucos passos dali, os crias da boca de fumo viram a reação
do chefe caindo na risada e fizeram a mesma coisa, mesmo sem saber o porquê
dele estar rindo. Essa sequência de gargalhadas deixou a patricinha ainda mais
acuada, pensando duas vezes se aparecer ali e dizer tudo o que disse era o
correto.
- Ó só, vamo fazer o seguinte? – Abner Pequeno gesticulou e
tentou ser o mais didático possível. – Pra não ter caô nenhum comigo e com o
teu boy?
Ela fez que sim com a cabeça e esperou pela resposta. O
problema, pra Penélope, foi apenas um: mais do que não estar acostumada com um
putão marginal devasso e marrento daquele porte, ela não tinha chão suficiente
pra lidar com o lado sexual explícito do criminoso. Com nada a temer, Abner pôs
a mão na orelha da menina, se aproximou e sussurrou entre os risos.
- Fala pra ele que eu como a tua buceta e depois ele come o meu
cu com força, só de vingança, até me encher de porra. A mesma porra que ele
soca na tua xoxota. Tá a fim?
Os olhos da patricinha quase se cruzaram no meio do rosto, de
tão enjoada que ela ficou. Ouvindo isso, Penélope virou de costas repentinamente,
tentou correr, mas o estômago embrulhou tanto, que ela teve que parar e liberar
o vômito da ansiedade no canto do muro. Aí pronto, os crias da boca de fumo
viram isso e caíram mesmo na gargalhada, deixando Abner ainda mais à vontade,
bem do jeito que ele gostava.
- Ih, a lá! Cês viram isso, rapaziada?! Ela ficou bolada só
porque eu falei que ia comer a buceta dela, enquanto o macho dela escalavra o
meu cu! HAHAHAHAHA! Fraca do caralho, ein, doida?!
A roda de traficantes e vapores só achou graça, todo mundo rindo
junto e sentindo os efeitos estimulantes das drogas. Todos ali conheciam muito
bem o negão marrento, com jeito de putão, todo malandro, encorpado, sagaz,
sempre rindo, carismático que só ele. Do tipo de homem que toda sogra queria
como genro, exceto por dois detalhes: esse homem estava preso no corpo de um
traficante de drogas, carioca e ASSUMIDAMENTE gay, com piercing de ouro no
umbigo e tudo mais.
- Quem quer rir tem que fazer rir primeiro, ora porra! Quem essa
mina pensa que é?! Ahahahahah!
- Dá o papo nessa maluca, Pequeno! Deixa ela careca, deixa ela
careca! – os caras no plantão botaram pilha.
Sorridente e segurando um copão de bebida, o mavambo sentiu o
sol rachando no topo do céu, olhou pras vielas mais abaixo no morro e viu
aquele cenário paradisíaco e ensolarado dominando seu campo de visão. Milhares
de telhas inacabadas, muros ainda por fazer, lajes descontinuadas e o cinza do
cimento sobressaindo sob os raios de sol do verão. Calor, quentura, suor. Era o
topo do morro. Pequeno, com seus quase dois metros de altura, rindo à beça
perto dos colegas do corre, um mais maloqueiro que o outro. Aquela selva de
pedras era o seu reino.
- Ih, coé, cria? – um dos moleques, justamente um dos novatos
que entrou pra boca de fumo há pouco tempo, viu aquela zoação entre eles e
dançou fora da música. – Tão vacilando fácil, é? Daqui a pouco vão pensar que
tu dá a ré na marcha, porra! Seus vacilão!
Assim que o vapor disse isso, todo mundo parou de rir e um clima
de tensão se instalou entre todos na boca de fumo. No mesmo instante em que
escutou aquela frase, o negão parou de rir, encarou o moleque e foi se
aproximando devagar.
- O que tu falou aí, doidão!?
Enrolando um baseado, o novinho não se deu conta da aproximação
de Abner diante de si. Até que sentiu o cano do revólver subindo seu queixo e
aí teve que encarar a fuça revoltada do traficante ogro.
- Vou perguntar de novo. O que foi que tu disse aí, doidão!? – o
tom de voz bem mais sério do que o normal. – Repete, filho da puta!
- Calma aí, chefe! Que isso, pô?! Tô brincando!
- Mas eu tô brincando contigo, seu arrombadinho do caralho!? Tô
com cara de quem parece que tá de sacanagem contigo?!
Ao redor deles, todos os homens ficaram acuados, mas nenhum teve
coragem suficiente de dizer qualquer coisa, até porque, ao contrário do novato,
eles conheciam Pequeno e sabiam bem do que ele era capaz. Também sabiam que era
o dia do aniversário do marginal, ou seja, ele tava mais exaltado do que de
costume, isso era um fato. Ninguém sabia o que poderia acontecer ali, por isso
nenhum deles se meteu, só ficaram olhando fixamente pra cena do mavambo
apontando o cano da arma de fogo bem na direção do queixo do vapor.
- REPETE, SEU MERDA! Tá pensando o que!? Tá achando que viado é
bagunça, filho de um puto?! Me dá um bom motivo pra não derreter teus miolo
agora mesmo, vai!?
Um infeliz e azarento acabou tentando dizer alguma coisa pra
contornar a situação.
- Coé, chefe! Pensa no Lelé, ele não ia querer que tu fizesse
isso.
Foi só lembrar do Lelé que o cafução tirou a arma do queixo do
novinho, apontou pro alto e deu dois disparos seguidos, fazendo todo mundo no
beco abaixar imediatamente. Aquele nome era o seu gatilho: Lelé. Quem teve a
porra da péssima ideia de falar aquele apelido justo quando Pequeno segurava
uma arma de fogo e tinha acabado de ouvir piadinha de um dos vapores?
- TÁ MALUCO DE FALAR O NOME DESSE ALEMÃO FILHO DA PUTA NA MINHA
FAVELA, DESGRAÇADO!? TU QUER MORRER, SEU RESTO DE LIXO!?
- Calma, chefe, calma! Calma!
- Calma é o caralho, seu otário! Eu sou bichinha mermo, tá
maluco, doidão!? Sou bichinha, dou o cu e sou dona dessa porra toda aqui, tu tá
me escutando?! E se tu quiser continuar aqui, é melhor andar na linha e
respeitar essa bicha que tá apontando a arma pra tua cabeça, sua aberração dos
infernos! Escutou!?
Com os braços levantados e indefeso no canto, o vapor hesitou
cautelosamente. O negão sentiu a respiração nervosa e quente do moleque contra
o seu peitoral, lembrou que era o dia do seu aniversário e não segurou as
vontades sádicas, só pra deixar o pivetão maluco. Pequeno esticou a mão,
segurou o pescoço do cara e foi descendo até o tórax, sentindo as recuadas
involuntárias que a barriga do puto deu de nervoso.
- Que isso, chefe?! Por favor, eu tenho mina, chefe! Faz isso
não, maluco...
- Mina? Tu? E qual é o nome dela, dá o papo. Idade, profissão...
Abaixou os dedos no volume do caralho do vapor, apertou a massa
de pica e mordeu o beiço, vendo a cara de descontrole do novinho naquele
momento de tensão. Uma arma de fogo na mão e o revólver na outra, era assim que
Abner Pequeno gostava de se sentir. Até que ele desceu um pouco o corpo na
frente do sujeito indefeso, ficou de joelhos e olhou pra cima, rindo.
- Será que a tua mina paga um boquete melhor do que o que eu vou
pagar agora? Hehehehehe!
- Que isso, chefe?! Vai acabar furando a boca aí, faz isso não!
Como é que fica a minha moral na facção se eu acabar ferindo o senhor?
Hehehehe!
Em volta deles, todos os outros marginais assistindo àquela cena
com um certo gosto, alguns até lambendo os beiços e rindo pros outros. Desde que
o negão assumiu a gerência das principais bocas de fumo do Morro do Paraíso, a
gestão agora era feita sob nova direção, tudo com muita... Paz. Sim, paz, por
mais estourado e embrazado que fosse Abner Pequeno.
- E quem vai furar minha boca, tu? Hahahahaha! – à vontade, o
dono do morro pegou novamente o revólver, apontou de novo no queixo do vapor e
deu a ordem. – Então tá certo. Se tu não furar minha goela, eu acabo contigo.
Tamo combinado, doidão? Pique roleta russa, mas uma roleta... Carioca.
Hehehehe!
A história de formação do Complexo do Céu na Terra envolve um
complicado contexto de violência urbana na cidade do Rio de Janeiro. Historicamente
falando, o Morro do Paraíso e a Favela do Éden permaneceram sem bandidagem por
muito tempo dentro do subúrbio carioca, mas esse milagre não durou tanto. As
duas facções que assumiram o Complexo passaram a entrar em guerra
constantemente, os IDI, “Irmãos dos Irmãos”, e os CA, “Comando Azul”. Desde
2009, os moradores não tiveram paz, devido à incessante competição entre essas
gangues pelo controle do tráfico de drogas local. A disputa só teve fim por volta de 2011, depois da
construção de um muro que finalmente demarcou a área de atuação de cada facção,
dando um basta na eterna guerra suburbana que banhou os chãos daquelas favelas
de sangue durante muitos anos. Mas... E se, em vez de uma enorme parede
dividindo as duas regiões, ambas as facções dessem à luz um único filho? Todas
as melhores histórias do Morro do Paraíso sendo bordadas no mais experiente
tecido da Favela do Éden, qual pode ser o resultado? Ali estava. Aquele que
superou as armadilhas existenciais e sobreviveu no solo incandescente e
malcriado da periferia carioca. Ele, mais um filho insubmisso do mesmo asfalto
suburbano que todos os outros.
- Que isso, chefe!? Tem certeza que tu quer se machucar no meu
fuzil? Fffff!
- Eu monto e desmonto parafal todo dia, doidão. Tu tá botando fé
que me machuca, papo reto?!
Ajoelhado na frente do pivete, Pequeno amassou o volume do
tacape do puto e sentiu aquela massa de cobra ficando cada vez menos mole e
mais rígida, abrupta, com fome de putaria. O mesmo macho que o zoou por dar a
ré na marcha agora estava sendo patolado, amassado, controlado por cima da
bermuda jeans surrada e ficando de pau duraço, bem na frente dos amigos da boca
de fumo, que assistiam a tudo com muita atenção.
- É que já machuquei várias piranhas daqui do morro, né, chefe?
- E eu lá tenho cara de piranha que tu vai machucar, seu
merdinha?!
Olhando pra cima e encarando o novato nos olhos, o dono do morro
abriu o zíper, viu a pentelhada do molecote e sentiu o cheiro de pica recém
mijada inebriando suas narinas, ficando com a boca cheia d’água. Depois de
sentir o odor da macharia, o mavambo puxou a bermuda pra baixo, viu a cintura
oblíqua e bruta do moleque e não pensou duas vezes: abriu o bocão, engoliu a
jamanta e deixou a goela trabalhar.
- SSSsS, puta merda, chefinho! FFfFF! Achei que fosse caô que o
dono dessa porra era bicha, mas tô vendo que é tudo verdade, né?
Ocupado demais pra responder, o aniversariante do dia deu o
presente pro vapor, prendendo as mãos nas laterais das coxas do pivete e o
puxando ainda mais pra dentro de si, só pra causar aquela sensação iminente de
engasgo. A cabeça do caralho nem teve tempo de sair do prepúcio, isso só
aconteceu depois que já tava na garganta, conforme a pilastra cresceu durante o
boquete, bem do jeito que Pequeno gostava de fazer com seus machos.
- OrrSSS! Isso, mama até o talo dessa vara, vai, chefe? FFff!
Boqueteiro do caralho, assim que eu gosto! HmmmSS! – em pouco tempo de
exercício, o moleque fez questão de dar ao dono da boca o que ele tanto queria
ganhar, mesmo tendo namorada. – Dá uma chupada na minha bola, vai, viado? Isso,
puto! SSsS!
- Quem disse que tu pode botar a mão na minha cabeça, seu filho
da puta!? – o negão marrento deu um tapa no pulso do vapor e o empurrou pra
trás. – Tira a mão de mim, me deixa à vontade!
- Foi mal, chefe. Não faço de novo!
- Acho bom mermo, doidão. Se tu não quiser perder a porra da
mão!
Os outros olhando, meio tensos, e Pequeno nunca deixando de lado
seu jeito dominador, até na hora de ajoelhar e cair de boca na vara dos amigos
do plantão. O macho que ele chupava era um novinho magrinho, da pele parda,
tipo definidinho e com os braços e o pescoço tatuados, fazendo a linha marrento
e precoce, talvez em seus 18, 19 anos de idade. Pentelhudo, com uma senhora
pica entre as pernas e se prendendo na goela do chefe da boca, só pra ter a
sensação luxuosa das bolas se escorando no queixo do marginal. Quando o
molecote olhava pra baixo, ele mal acreditava na cena do dono do Morro do
Paraíso engasgando e engolindo seus mais de dezoito centímetros de caceta
escura e comprida, toda veiúda, com a cabeça solta, inchada e deixando gosto de
macharia na garganta do aniversariante. Diante disso, outro dos crias da favela
também foi se aproximando e passando a mão pela nuca do negão ajoelhado.
- Coé, chefinho, tu se importa se eu te botar pra cheirar essa
pica aqui, ó? A minha é mais cheirosa, saca só o cheirão de macho depois do
treino?
Esse segundo vapor era todo forte e parrudo, da pele morena,
careca, com cavanhaque e os braços grossos. Um cafução massudo, tatuado, das
orelhas estouradas, a cara fechada e que dava aula de muay thai pros jovens da
comunidade. Mais ou menos quarentão, de aliança no dedo e esfregando o rosto de
Abner contra o short suado, pra fazer o chefe sentir seu cheiro de suor, de
testosterona, de macharia e também do picão gordo latejando no tecido.
- Ou, me dá atenção também, chefinho? – o primeiro vapor cobrou
e tentou puxá-lo de volta pro boquete. – Tô ficando seco, já!
Mas o segundo macho, o parrudo lutador, também não quis saber de
meio tempo e tornou a esfregar a selva da pentelhada contra a fuça suada do
traficante.
- Não, calma aí. Deixa ele sentir esse cheiro de pica primeiro,
que eu tô ligado que ele se amarra! HmmfFFF!
Enquanto isso, Abner perdido, se deliciando com o melhor
daqueles dois. Ele mal tinha tempo pra falar, mas sabia que todo o controle era
seu. Era ele quem definia o que, o quando, onde, como e com quem, por isso
estava ali naquele momento, ajoelhado, cheirando pentelhos de um professor de
muay thai casado e engasgando no trombone de um dos vapores da boca de fumo do
Morro do Paraíso. Um terceiro maluco, branquinho e também tatuado, se aproximou
e já botou o salame de fora, ainda mole, ensaiando uma punheta no rosto do negão.
- Passa vontade não, chefia, pode caprichar! Hehehehe!
O sol passando por cima do Complexo naquele instante, o calor
derretendo todo mundo, mas eles entocados no fundo do beco, longe dos olhos das
ruelas principais, imersos no mundo criado por Pequeno quando ele assumiu como
dono do morro. Apesar do comportamento dominador e genioso do negão, só
participava ali quem queria, quem ele sabia que tinha um pé no mesmo mundo que
o dele, muito embora alguns demorassem a admitir isso. No fim das contas, ali
estavam três machos botando o mesmo dono da boca pra pagar boquete. Três
cacetas em formatos e gostos diferentes na mesma goela.
- Abner Pequeno! Quem diria, ein? Quem te viu e quem te vê,
negão!
A voz desconhecida irrompeu do começo do beco e imediatamente os
três caras começaram a se ajeitar, numa reação parecida e espontânea. Sem
pressa e ainda ajoelhado, o mavambo olhou pra trás, viu um sujeito totalmente
desconhecido parado e o observando, com um risinho cínico no rosto. Dois dos
machos sacaram suas armas, apontaram na direção do maluco, mas essa cena só fez
o recém chegado rir ainda mais, porque as cacetas duras nas bermudas ficaram
evidentes.
- Como esse Rio de Janeiro é... Como eu posso dizer... Pequeno!?
Haahahah! – o homem continuou rindo e falando de uma forma simpática até
demais, após ter pego todos os marmanjos naquele beco fazendo putaria com o
dono do morro.
Todo mundo apontando as armas pro sujeito, exceto pelo próprio
Abner, que levantou de onde estava ajoelhado e foi andando na direção do cara,
finalmente saindo das sombras.
- Eu não sei quem tu é, mas tô ligado que tem que ser muito
burro pra entrar na minha favela e me zoar assim na cara de pau, doidão.
- Ah, deixa disso, cuzão! Heheehehe! – sem medo, o homem abriu
os braços, sorriu e esperou pelo cumprimento. – Vai dizer que tu nem sentiu
minha falta, Bezinho?
Uma vez na luz, Abner fixou os olhos no rosto daquele sujeito,
analisou por uns breves segundos e logo viu outra pessoa surgindo atrás dele.
As feições rústicas e inacabadas do rosto daquele cara trouxeram a maior
sensação de nostalgia, principalmente por conta dos olhos escuros e tão
característicos.
- FAEL!? CARALHO, PRIMO!? – assustado, Pequeno finalmente o
reconheceu e pulou pra dar um abraço, mesmo sendo bem maior e mais velho que o
outro. – Quanto tempo, seu filho de uma puta! Aonde foi que tu se meteu,
arrombado!?
- Porra, tu tá muito diferente, moleque! Nunca pensei que fosse
te encontrar vivo, ainda mais depois daquela merda que aconteceu aqui no
Complexo, né?
- Cara, primeiro de tudo. Nunca se chega assim na boca de fumo
de ninguém, tu tá escutando? HAHAHAHA! Seu corno!
- Ah, para! Eu te deito na porrada a hora que eu quiser,
moleque! Hehehehe! – animado como nunca, Fael entregou a mochila pro noivo ao
seu lado, pulou na direção de Abner e, mesmo sendo mais fraco e menor,
conseguiu emendar um cascudo, quase derrubando o primo mais velho. – Seu puto!
Não falei?! Hehehehe!
Vendo a cena, André segurou a bolsa com os equipamentos e quase
deixou as coisas caírem, de tão pesadas. Em seguida respirou, revirou os olhos
e só então notou as armas dos outros homens da boca de fumo, ainda apontadas em
sua direção.
- Relaxem aí, eu tô com esse cara! – ele ficou meio nervoso. –
Fael, por favor, fala com eles que eu tô junto?
Mas o noivo se entreteve em matar as saudades do primo mais
velho, deixando o resto das pessoas naquele beco sem reação. Os vapores não
sabiam que Pequeno tinha outro primo mais novo, assim como o próprio André
também não tinha noção desse fato e só descobriu quando chegaram ali.
- Como tu descobriu que eu tô daqui, Fael? – Abner perguntou. –
Quem te deu a visão?
- Porra, é a gente que instala o serviço de câmera de vigilância
que tu contratou, mano! Hehehehe! Aí quando eu brotei lá do pé do morro e vi um
pessoal comentando que o dono da boca é um viado marrento, já soube que só
podia ser tu, Bezinho! UAHUAHAHHAA!
Eles caíram na risada, Pequeno totalmente desarmado diante da
inesperada surpresa do primo de tantos anos. Nenhuma outra pessoa faria piadas
com ele sem sofrer retaliações, por exemplo, exceto por Rafael, o parente de
longa data, sumido há tanto tempo.
- Minha reputação tá muito boa na pista, pelo visto. Heheheheeh!
- Vai ver tá na nossa família descobrir que é viado, né?
O negão olhou pro lado, observou André, e aí finalmente o
cumprimentou, entendendo o significado do que o primo quis dizer.
- Coé? Abner Pequeno.
- Prazer. Eu sou André... Noivo do seu primo.
O casal se abraçou, Fael encostou a cabeça na do noivo e abriu o
sorrisão, deixando Pequeno um tanto quanto orgulhoso, principalmente por conta
de como as coisas estavam indo bem no presente. Eram anos de paz no Morro do
Paraíso, assim como anos de luz na vida do ex traficante Rafael e do futuro
maridão André. O cafuçu ex marginal olhou o negão de baixo à cima e riu.
- Caralho, Bezinho, como tu cresceu, ein!? Tá maior que eu,
viado?!
- Também, porra, mais de não sei quantos anos que a gente não se
vê! Mais de década que não encontrava contigo e que não encontro com aquele
marrentinho do Menó também. Como é que ele tá, tem notícia!?
- Ih, muita coisa aconteceu, primo! Mas Menózão tá de boa, saiu da
bandidagem também. Tá todo mundo andando na linha, todo mundo saindo dessa
vida, até que eu chego aqui e descubro que tu virou o chefe do morro. Como são
as coisas, né não!? Fala tu?! Hehehehe!
Pensativo, Pequeno olhou pro alto, observou as nuvens brancas no
céu azulado de verão e deixou um sorriso sincero transparecer no rosto de quase
trinta anos. Aquele era o dia do aniversário de 28, mais um ano de muita
experiência, vivência e acontecimentos na vida do negão.
- É como tu falou aí, Fael. Muita coisa aconteceu. – Abner
fechou os olhos e a mente se elevou. – Muita coisa rolou durante todos esses
anos que geral se afastou, primo...
BEZINHO: A ERA DE BRONZE
Antes de se
tornar Abner Pequeno, o apelido do negão era neguinho, também conhecido por
Bezinho, devido principalmente ao perfil físico magricelo, de frango, com o
corpinho fraco e a aparência frágil. Aos 18 anos de idade, tomando conta da mãe
acidentada e acompanhando as primeiras habitações sendo instaladas no Complexo
do Céu na Terra, Bezinho não tinha muitas preocupações na vida, a não ser os
estudos, o trabalho e os pequenos prazeres do dia a dia de morador do Morro do
Paraíso. Pros estudos o moleque magrelo nunca deu muita atenção, porém também
nunca chegou a abrir mão totalmente, porque sempre acreditou na mãe quando ela
dizia que estudar o levaria a qualquer lugar que quisesse. Mas as contas não se
pagariam sozinhas, então o novinho logo arranjou um emprego, ainda mais depois
que a mãe perdeu o movimento das pernas.
- Confia em mim, coroa. Eu vou dar um jeito! – ele garantiu,
apesar de ter só 18. – Prometo que cuido da gente!
Mesmo trabalhando de segunda a sábado, neguinho encontrava tempo
pro seu lazer favorito: não fazer nada, só olhar o céu e apreciar o paraíso
natural que a natureza do Complexo do Céu na Terra era capaz de oferecer. Uma
favela tão grande, um conjunto de comunidades tão imenso, que as colinas
conseguiam se arrastar desde o meio do subúrbio carioca até quase os pés da
Bahia de Guanabara, na área central da cidade do Rio de Janeiro. E é esse
detalhe crucial, o do tamanho das favelas, que torna possível suas encostas
banhadas por céu e mar. Ou seja, Bezinho tinha total razão em passar horas
seguidas sentado na rocha lateral do morro ou então no alto da laje do barraco,
só admirando o pôr do sol e fumando um baseadinho fino, pra relaxar o estresse
dos dias corridos de muito trabalho. Quem poderia culpar um moleque magro,
bobinho e trabalhador, que só queria relaxar sob um suburbano crepúsculo
carioca?
- Coé, neguinho? Tá aí? – a voz rápida e sussurrada quase passou
despercebida no beco.
Viajando nos próprios pensamentos, o jovem Abner esticou o
corpo, olhou pro lado de fora da pequena propriedade e viu o melhor amigo lá embaixo,
acenando e meio que se escondendo.
- Sou eu. Posso subir?
- Claro que pode, seu puto! Demorou, porra!
A razão da conversa em volume baixo era a mãe do novinho não
descobrir que eles estavam em cima da laje fumando maconha, porque, mesmo
entendendo que aquele era o alívio do filho, ela não gostava de vê-lo dopado.
Coisa de mãe. Talvez fosse o medo do filhote se envolver na bandidagem, mas
isso, de acordo com Bezinho, jamais aconteceria, sendo ele tão trabalhador,
guerreiro e dedicado a sustentar o próprio lar.
- Eu fui lá na outra boca pegar haxixe pra gente.
- Hax? Tu foi lá no Éden pegar isso, Lelé?! – fez cara de
surpreso. – Já pensou na merda que ia dar se vissem você passando de uma favela
pra outra com isso?
- Ah, coé, neguinho!? Tu não deu o papo que queria fumar um
baseadinho com haxixe? – de pé do lado do amigo sentado na laje de cimento,
Lelé deu um sorriso, tomou o baseado dos lábios do colega e botou na própria
boca, babado mesmo. – Fui lá nessa missão pra gente, meu cria! Agradece depois,
bora fumar primeiro. Heheheheh!
Com o corpo menos magro que o de Bezinho, a pele mais clara, mas
ainda pardo, Lelé era todo falante e animado, combinando com o sorrisão
brilhante que tava sempre ostentando no rosto. Além das covinhas marcantes,
outra marca registrada do cafuçu eram os óculos na cara e também o cabelo
enroladinho, quase sempre com as pontas descoloridas em loiro. Não existia
ninguém em qualquer uma das cinco favelas do Complexo do Céu na Terra que não
conhecesse o Lelé: ele era o filho único do primeiro chefe da facção que
assumiu o Morro do Paraíso, logo no início dos piores anos da guerra do
tráfico. Melhores amigos, ele e Abner passavam quase todos os fins de tarde
juntos, fumando em harmonia e vendo o laranja do céu se transformar no mais
maravilhoso lilás, cor de safira, por conta dos anoiteceres do tempo de verão
se aproximando. Dias mais longos, tardes duradouras, que nunca terminam, e
noites quentes, três fenômenos naturais que sempre rodearam o Paraíso, talvez
por isso o nome da comunidade.
O segundo
prazer e hobby favorito de Bezinho era a observação. O moleque magrelo gostava
de observar o mundo, se encantando e também se assustando com muitas coisas que
via no cotidiano. Pessoas sendo presas, morrendo, nascendo, sendo soltas,
casando, divorciando, criando pernas ou... as perdendo. Ele via de tudo ao seu
redor, incluindo o cenário às vezes caótico do morro que o rodeava, no qual sempre
estava inserido. Uma das cenas que deixava o coração do jovem Abner saltando
dentro do peito, por exemplo, era quando ele ia na boca de fumo comprar maconha
pra fumar e quem tava por lá era o Matão da Caixa Alta. Esse cara virou gerente
da boca de fumo depois que o pai de Lelé morreu, se tornando o chefe da facção
durante muitos anos, numa gestão que ficou marcada pela desaprovação total dos
moradores – principalmente por conta das extensivas cobranças que o marginal
fazia, além de quase sempre falhar em proteger a favela nas operações
policiais, resultando em inúmeras mortes.
- Coé, magrelo. Vai querer o que?
Toda vez que o jovem Abner chegava na boca de fumo, dava de cara
com o Matão e escutava a voz grossa perguntando o que ia querer, ele se sentia
mal. Não por saber quem o Caixa Alta era e o quão perverso ele poderia ser, mas
por ter que se controlar pra não acabar olhando pra mulher do cara. Ou pro
cara? Era difícil dizer qual dos dois era mais instigante de olhar, essa era
uma verdade. A morena tinha marquinha de sol, os seios fartos e a cintura
sinuosa, do jeito que Bezinho gostava. Ao mesmo tempo, além de arrogante, Matão
era alto, malhado, meio definido, só andava sem blusa e tinha o corpão tatuado,
com pelos em posições estratégicas pra quem observa. Por isso as pernas do
molecote se tremiam quando ele parava na frente da mesa da maconha e pensava no
que responder ao dono da boca.
- Desembucha, fedelho! Antes que eu desista de vender pra você.
Hehehehee! – o gerente da biqueira gargalhou alto, mostrando os dentes de ouro
e alisando a barbicha. – Escolhe, porra! Vai querer o que?
- Eu quero...
- Acabou o tempo, pirralho! – arrogante que só ele, Caixa Alta
amassou o dinheiro na mão, enfiou no bolso e parou de rir. – Rala, hoje não tem
baseado pra tu!
Nervoso e sentindo que os olhos iam se encher de água, Abner
achou melhor dar meia volta e sair dali, pelo menos os caras da boca não veriam
suas lágrimas e não tornariam o momento pior. Porém, ao virar o corpo pra sair,
Bezinho escutou a voz familiar vindo do fim do beco, tão atrevida quanto à do
Matão da Caixa Alta.
- Tá maluco de não vender droga pro cara?! Ele é morador, quem
tu pensa que é?!
Lelé pisou fundo, em passos largos, parou na frente do gerente e
fechou a cara. Mesmo tendo só 18 anos, ele não se abalou e ficou ali, fazendo
frente em nome do melhor amigo, até porque, ninguém em sã consciência era louco
ou corajoso o suficiente pra desafiar publicamente o herdeiro primogênito e
legítimo de todo o Complexo do Céu na Terra.
- Eu tenho total direito de não vender droga pra uma criança,
seu moleque!
- Criança porra nenhuma, o Bezinho já fez dezoitão, seu bosta!
Se não vai vender pra ele, então devolve a grana do moleque. Isso é roubo, aqui
dentro ninguém rouba ninguém, é todo mundo morador!
O momento de tensão durou poucos segundos. Muito contrariado, o
gerente da boca enfiou a mão no bolso, pegou as notas e jogou no chão, com
raiva, obrigando os novinhos a catarem tudo, que foi o que eles fizeram. Depois
que saíram dali, Abner agradeceu pela atitude do melhor amigo, mas a coisa não
acabou por aí.
- Não me agradece agora, a gente ainda tem muito pela frente!
Heheeheh! – Lelé esfregou as mãos, desviou o caminho usual da laje do barraco e
foi aí que Abner logo soube que ele tinha algo em mente. – É melhor tu me
agradecer mais tarde, moleque!
No fim daquela tarde, em segredo, a dupla de amigos inseparáveis
entrou no barraco do Matão da Caixa Alta sem ninguém ver e roubou um monte de
calcinhas da mulher dele, como se fosse aquela típica traquinagem de moleques jovens
e cheios de tesão. Não tinha ninguém na viela, então a ação foi bem rápida e
nada maquinada, porém bem efetiva. No meio da agitação, Bezinho se sentiu mal,
não pelo que fez, mas por ter passado por aquela situação de humilhação diante
do Caixa Alta na biqueira e ainda assim ter roubado uma cueca usada do
traficante, enquanto Lelé não estava olhando. Depois do furto, eles finalmente
retornaram pra laje onde passavam os fins de tarde fumando, e aí se acabaram em
punheta, fissurados no cheiro da buceta da mulher do bandido. (Mesmo o Abner
Pequeno do presente, aquele que estava completando 28 anos, poderia dizer por
ele mesmo a sensação inexplicável que teve quando viu a rola do melhor amigo
pela primeira vez na vida: toda escura, veiúda, com a cabeça rosada bem solta
do corpo longo.)
- Que foi, moleque?! Gostou? Hahahahaha! – o próprio Lelé
percebeu o melhor amigo olhando e achou graça. – Nunca tinha visto pau, não?
Hheehhe!
Faltou fôlego, faltou resposta, faltou disfarçar, faltou
simplesmente tudo naquele momento. Foi quase como se, mesmo sabendo que era
humano, só agora o jovem Abner conseguisse sentir explicitamente o coração
batendo forte no peito, vivo, fogoso, incandescente e caloroso. Tão forte
quanto a sensação acalentada do verão carioca, eterno e suburbano.
- Foi mal, é que... – neguinho tentou contornar a situação. – É
a primeira vez que eu fico pelado perto de outro cara.
- Relaxa, meu cria! Tamo entre amigo, pô. Tá de boa...
Um tocando punheta e o outro olhando, lado a lado, ambos encostados
na mesma parede de cimento, enquanto o sol se punha no fim do horizonte, entre
as colinas e o oceano. Não havia como negar, aquele era mesmo o Morro do
Paraíso, localizado bem mais perto do céu do que a Favela do Éden, que era
situada mais aos pés da montanha. Apesar de toda a tranquilidade e o deleite
paradisíaco e sexual daqueles momentos, nenhum deles sabia ainda que o inferno
residia bem próximo do paraíso.
Cheirar as roupas íntimas do Matão da Caixa Alta e de sua mulher mexeu um pouco com o corpo e também com a mente acuada e franzina do moleque Bezinho. Primeiro que................
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Essas são as 14 primeiras páginas do capítulo "6. PARAÍSO", que faz parte de VERÃO I. O conto completo possui 88 páginas.