(Foto do lindo projeto "Favelografia", que propõe retratar o Rio de Janeiro sob uma nova perspectiva das favelas, além de servir como boa inspiração para algumas cenas de "Subúrbia". Disponível em: https://goo.gl/nbASXx)
INTRODUÇÃO: Quadra 24
Aprendemos a chamar de suburbano
tudo aquilo que está localizado abaixo do que já conhecemos por pertencente ou
propício às cidades. Os carros, avenidas adaptadas para grande circulação, as
periferias às margens da sociedade, a vida agitada, o asfalto quente do chão, a
selva de pedras, o calor do cotidiano, as interações intensas que se dão ao
longo da rotina, tudo isso é muito suburbano, pois está dentro do conceito de
urbanismo. Assim, podemos afirmar com certeza que existe também um modelo
prático para o que se espera de um homem considerado suburbano, ou seja, o
homem que vive no subúrbio e habita as cidades que definimos como suburbanas,
tendo sua vida agitada, sendo adepto das tradições das cidades e dos hábitos da
sociedade local, que nem quando lembramos de como cada região encara
determinadas datas, tais como o carnaval, o ano novo e a copa do mundo, por exemplo.
Primeiro nós cercamos o sentido de subúrbio, mas justamente para fazer degraus
até o ponto onde quero chegar: em Subúrbia.
Num passado de muitos anos atrás,
Subúrbia se chamava Quadra 24, bem na época da ditadura militar. E, como se não
bastasse a ironia e a hipocrisia que mora dentro da genética masculina,
independente do lugar, o bairro nasceu diretamente ligado à uma história de
subversão, repreensão, rebeldia, balbúrdia, sexo, drogas e muito rock 'n' roll.
Quando os militares tomaram o poder em 64, o ideal de que uma ameaça comunista
era eminente no país foi disseminado como uma espécie de verdade absoluta,
responsável por manter todos os cidadãos unidos em prol de uma mesma causa. Por
não ter sido um período nivelado em si, isto é, não ter tido as mesmas caras do
norte ao sul, cada região estipulava suas ações contra a ameaça invisível da
subversão, da desobediência civil. Era comum que grupos de jovens reunidos
fossem averiguados em plena luz do dia, já que agrupamentos causavam
estranhamento e chamavam a atenção. No Rio de Janeiro, a cidade que tava sempre
debochando e tomando na cara nesse sentido, os "regentes" das
localidades transformaram muitos quartéis, batalhões e até mesmo áreas
abandonadas em campos de treinamento e área de estratégias voltadas às forças
armadas, tudo em prol de fortalecer o braço do poder, por assim dizer. Estou
contando tudo isso porque agora chega a parte importante: com o fim da ditadura
anos depois, a maioria destes espaços se perderam em seu próprio sentido existencial.
A era da chamada "democracia" sobrepôs qualquer era má sucedida até
então. Porém, um lugar em específico sobrevivera: esta região agora se chama
Subúrbia.
Subúrbia, ainda como Quadra 24, foi
um desses lugares que não eram nada até àquela época, mas acabou sendo ocupado
e serviu bastante para os fins militares, "prosperando" durante 20
anos seguidos de administração milico. Depois do regime, a região se tornou
conhecida pelo alto número de habitantes homens, todos "aposentados de
guerra", pois combateram bravamente "o perigo do comunismo" nos
anos passados. Só que homens são homens em qualquer lugar do mundo, e não é
exatamente a política que vos dita como serão e o que dirão. Pode ditar como
vão se comportar em público, mas a defesa pela propriedade privada está
exatamente nessa questão de ser o que se quer ser quando ninguém está presente,
ou seja, fora do ambiente público, em sua privada, em seu quarto, entre quatro
paredes. A antiga Quadra 24 virou um bairro no qual as poucas mulheres que ali
viviam começaram a envelhecer sem deixar progenitoras, uma vez que a ditadura
não foi muito solidária com a aceitação do gênero feminino no corpo do
exército. Por se tratar de uma região pequena e sem muito potencial industrial,
Subúrbia não recebeu tanta atenção do Estado depois de povoada. Um excesso de
homens descomunal, que terminou por afastar definitivamente todas as presenças
femininas até onde se sabia, transformando o bairro num reduto efetivamente
masculino, com políticas e tradições locais completamente diferentes do que se
via no restante do Rio de Janeiro e também no Brasil. A maior parte das casas
em Subúrbia eram naquele estilo de vila militar, mais ou menos pequenas e
propriamente "coladas", com um curto quintal estendido pouco mais à
frente, fazendo um caminho até à cerca do portãozinho. Casebres com estilo
antigo, ar de rústicos, e muito suor de milico impregnado por dentro e por fora
das construções resistentes ao clima tropical. Mesmo pequeno, o bairrinho tinha
até uma estação de metrô em uma das linhas menos usadas, timidamente situada
entre Vicente de Carvalho e Irajá, só que, como já ficou subentendido, era raro
alguém que não morasse por ali desembarcar, já que um ex-bairro militar e esquecido
pelo tempo não deveria ter qualquer atração aos olhos alheios, principalmente
em épocas tão fortemente politizadas quanto as atuais. Nunca se falou tanto em
política e democracia nos últimos tempos, então quase não sobrara espaço para o
militar, quase não sobrou oportunidade de Subúrbia reaparecer. A solução foi
entregar-se às próprias origens conturbadas e assumir de vez a diferença para
com as regiões vizinhas. O subúrbio com nome masculino não faria jus às lendas
e tradições de Subúrbia. Com "a" no final.
Por se tratar de um espaço com
maioria masculina, o bairro era até esporadicamente procurado por homens quando
eles queriam desfrutar apenas de seu próprio universo: cerveja barata,
programação local voltada aos circuitos de peladas, bares e churrascos, como se
Subúrbia pertencesse a um protótipo de sonho temporário para cada tipo de carioca
que se conhece, além de importante ironia para com o fato de seu nome pertencer
ao gênero feminino. Temporário no sentido deles nunca permanecerem muito tempo
lá dentro, falando dos que ali não moravam e viam apenas essa utilidade sazonal
de aparecer vez ou outra e se divertir. Há, porém, e majoritariamente, uma
quantidade razoável de machos vivendo em Subúrbia atualmente, e isso cria
sempre um clima de algo a mais acontecendo por trás dos dias quentes, das
tardes às vezes chuvosas e das noites calorosas. Por que não de madrugadas
regadas a tabu? Não é porque é um bairro feito pelo suor masculino que a
homossexualidade funciona de forma aberta e espontânea no chão do subúrbio. Se
lembrarmos bem, todo mundo sabe que rola putaria dentro do exército, por
exemplo, sendo que isso vai dos recrutas até os generais, porém todos tratam
como anormalidade, apesar de continuar desfrutando dos "pecados". Tendo um
passado militar, a antiga Quadra 24 jamais poderia se afirmar inocente. É
dentro dos batalhões que a magia acontece, assim como a hipocrisia, e é da soma
disso tudo que resulta o famoso bairrinho. Do suor dos milicos hipócritas que
julgaram a homossexualidade, mas, ao mesmo tempo, nas escuras e longe das
vistas grossas da mesma sociedade que aprendeu a devorar a si mesma, usufruíram
inúmeras vezes dos corpos de outros homens, principalmente por estarem longe de
mulheres na maior parte do tempo.
A transformação da Quadra 24 em
Subúrbia provém da modernização para os anos 2000 adiante, com a urbanização e
consequente efeito de suburbanização. Relevos transformados em morros, barracos
com moradias em periferias e pequenas regiões verticais repletas de
trabalhadores informais, inimaginavelmente distantes do centro do bairro, onde
normalmente trabalhavam. Uma cultura destinada a, assim como no resto do país,
condenar e subjugar suas próprias engrenagens de sustento. O cheiro do
cafezinho com pão, manteiga e mortadela pela manhã, o jornalzinho para saber
como começa o dia, até a hora do almoço. O calor da tarde casado com a boa
sensação de sono após a refeição. Todo entardecer tem um cheiro, se você
perceber bem. Pode ser o fim de tarde caloroso ou com chuva, só muda o tipo, principalmente em Subúrbia. Gente no portão conversando, cadeiras de praia
estendidas em muitas horas de conversa nas calçadas, bolos de laranja no café da tarde e o
barulho do pipoqueiro passando sob o céu alaranjado. O sinal do período da tarde soando nos colégios e
escolas, assim como os portões sendo abertos e os transportes rapidamente lotando.
Rush! Torçamos para que a noite seja tranquila no subúrbio, sem tiroteio no
asfalto ou invasão na favela. Homens em grande quantidade podem perder o
controle quando decidem entrar em guerra. E aí eles acabam vestindo seus
coturnos e dão sentido ao passado histórico da Quadra 24.
Homens, sereios e malandros. Desejos,
suores e tensões sexuais. Movimentos não intencionados, com finalidades
completamente má intencionadas por trás do que se espera. Quando você está num
determinado local e rapidamente vê um cara sentado de pernas abertas, o que
será que ele está pensando? O tato e a imaginação dele combinam com os sentidos
do corpo masculino e produzem inúmeras possíveis realidades. É dessa rotina de
pequenas cenas homoeróticas que falaremos a partir daqui.
As
ruas escondem segredos enterrados no asfalto.
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Contarei uma história nos rodapés
dos próximos contos. Não tirem os olhos de m..
Conceito
ResponderExcluirvocê quer, @? hahahaha
ExcluirAnsioso que fala?
ResponderExcluirkem fala?
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