- Qual foi, Pequeno? Minha prima bem falou que quer dar pra tu. Ela
tá ali no canto, ó? Tá vendo? – a mulher apontou na direção da viela. – Pediu
pra eu te dar esse papo, porque ela tem namorado e o boy não pode saber,
entendeu?
Não era novidade aquele tipo de situação acontecer. Abner Pequeno
sabia bem que sua aparência de macho grande, forte, troncudo, com cara de ruim,
negão e de voz grave, chamava a atenção onde quer que ele fosse, independente
de qual área da favela estivesse. Principalmente no dia em que completava 28
anos de idade, não tinha como ser diferente. Encostado no muro lateral da
viela, o mavambo tirou a mão de cima da pistola na cinta, deu um sorriso e
segurou uma mecha do cabelo da moça entre os dedos, arrancando um risinho sem
vergonha da danada.
- Vem cá, qual é o teu nome? – ele quis saber, sem desfazer
daquele charme irresistível pra cima da rapariga.
- É Penélope. Por que?
Aí deu outro riso antes de responde-la.
- Nome de princesa, já te deram o papo? Hehehehe. É tu ou é tua
amiga que tá querendo me dar a bucetinha, Penélope?
Fez a pergunta, pôs o dedo escuro e grosso no queixo da mulher e
olhou no fundo dos olhos dela, deixando a coitada com as pernas bambas, só pela
encarada pesada e crua.
- Eu... – ela até gaguejou, incapaz de não reparar na arma
pendurada na cinta do macho. – Eu... Sou doida pra fuder contigo, Pequeno. Mas
meu namorado não pode saber, por nada nesse mundo!
Ciente de que a putaria tava certa, ele não parou de sorrir. Deixou
a mão deslizar do queixo da moça e chegar no ombro, só pra manter o contato
físico enquanto eles se olhavam compenetradamente.
- Eu sou bandido, garota. Ando armado pra cima e pra baixo nessa
favela, não tô nem aí se o puto do teu macho vai saber.
Ouvindo essa resposta, a patricinha chegou a ficar trêmula.
Mesmo morando em uma favela carioca, ela ainda se assustava com as dinâmicas
dos marginais portando fuzis e metralhadoras a todo momento diante dos seus
olhos. Mais do que isso, a safada não conseguia segurar o tesão que sentia pelo
negão corpudo e todo bruto que Abner era, apesar de se sentir nervosa com a
visão da arma presa no quadril do cafução. Ele tava sem blusa, o short caindo
pela cintura, boné pra trás, suor escorrendo no meio do peitoral e descendo
pelo tórax definido, onde ficavam os vários cordões de ouro do malandro. Os
dedos também eram cheios de anéis dourados, pra não falar do baseadinho fininho
pendurado no canto da boca, perto dos dentes de ouro. E o que dizer do
comportamento desaforado e mandão do traficante?
- Mas tem um caô, Pequeno. – ela continuou, toda sem graça. – É
que meu namorado, ele... Também é bandido. Lá em baixo, no Éden. Não queria que
ninguém se matasse por causa de buceta, tá ligado?
Foi nesse momento que eles caíram em divergência. Ao processar o
significado daquele pedido, o marginal não segurou a graça e soltou uma
gargalhada sincera na cara de assustada de Penélope, que não entendeu bem
aquela reação. Há poucos passos dali, os crias da boca de fumo viram a reação
do chefe caindo na risada e fizeram a mesma coisa, mesmo sem saber o porquê
dele estar rindo. Essa sequência de gargalhadas deixou a patricinha ainda mais
acuada, pensando duas vezes se aparecer ali e dizer tudo o que disse era o
correto.
- Ó só, vamo fazer o seguinte? – Abner Pequeno gesticulou e
tentou ser o mais didático possível. – Pra não ter caô nenhum comigo e com o
teu boy?
Ela fez que sim com a cabeça e esperou pela resposta. O
problema, pra Penélope, foi apenas um: mais do que não estar acostumada com um
putão marginal devasso e marrento daquele porte, ela não tinha chão suficiente
pra lidar com o lado sexual explícito do criminoso. Com nada a temer, Abner pôs
a mão na orelha da menina, se aproximou e sussurrou entre os risos.
- Fala pra ele que eu como a tua buceta e depois ele come o meu
cu com força, só de vingança, até me encher de porra. A mesma porra que ele
soca na tua xoxota. Tá a fim?
Os olhos da patricinha quase se cruzaram no meio do rosto, de
tão enjoada que ela ficou. Ouvindo isso, Penélope virou de costas repentinamente,
tentou correr, mas o estômago embrulhou tanto, que ela teve que parar e liberar
o vômito da ansiedade no canto do muro. Aí pronto, os crias da boca de fumo
viram isso e caíram mesmo na gargalhada, deixando Abner ainda mais à vontade,
bem do jeito que ele gostava.
- Ih, a lá! Cês viram isso, rapaziada?! Ela ficou bolada só
porque eu falei que ia comer a buceta dela, enquanto o macho dela escalavra o
meu cu! HAHAHAHAHA! Fraca do caralho, ein, doida?!
A roda de traficantes e vapores só achou graça, todo mundo rindo
junto e sentindo os efeitos estimulantes das drogas. Todos ali conheciam muito
bem o negão marrento, com jeito de putão, todo malandro, encorpado, sagaz,
sempre rindo, carismático que só ele. Do tipo de homem que toda sogra queria
como genro, exceto por dois detalhes: esse homem estava preso no corpo de um
traficante de drogas, carioca e ASSUMIDAMENTE gay, com piercing de ouro no
umbigo e tudo mais.
- Quem quer rir tem que fazer rir primeiro, ora porra! Quem essa
mina pensa que é?! Ahahahahah!
- Dá o papo nessa maluca, Pequeno! Deixa ela careca, deixa ela
careca! – os caras no plantão botaram pilha.
Sorridente e segurando um copão de bebida, o mavambo sentiu o
sol rachando no topo do céu, olhou pras vielas mais abaixo no morro e viu
aquele cenário paradisíaco e ensolarado dominando seu campo de visão. Milhares
de telhas inacabadas, muros ainda por fazer, lajes descontinuadas e o cinza do
cimento sobressaindo sob os raios de sol do verão. Calor, quentura, suor. Era o
topo do morro. Pequeno, com seus quase dois metros de altura, rindo à beça
perto dos colegas do corre, um mais maloqueiro que o outro. Aquela selva de
pedras era o seu reino.
- Ih, coé, cria? – um dos moleques, justamente um dos novatos
que entrou pra boca de fumo há pouco tempo, viu aquela zoação entre eles e
dançou fora da música. – Tão vacilando fácil, é? Daqui a pouco vão pensar que
tu dá a ré na marcha, porra! Seus vacilão!
Assim que o vapor disse isso, todo mundo parou de rir e um clima
de tensão se instalou entre todos na boca de fumo. No mesmo instante em que
escutou aquela frase, o negão parou de rir, encarou o moleque e foi se
aproximando devagar.
- O que tu falou aí, doidão!?
Enrolando um baseado, o novinho não se deu conta da aproximação
de Abner diante de si. Até que sentiu o cano do revólver subindo seu queixo e
aí teve que encarar a fuça revoltada do traficante ogro.
- Vou perguntar de novo. O que foi que tu disse aí, doidão!? – o
tom de voz bem mais sério do que o normal. – Repete, filho da puta!
- Calma aí, chefe! Que isso, pô?! Tô brincando!
- Mas eu tô brincando contigo, seu arrombadinho do caralho!? Tô
com cara de quem parece que tá de sacanagem contigo?!
Ao redor deles, todos os homens ficaram acuados, mas nenhum teve
coragem suficiente de dizer qualquer coisa, até porque, ao contrário do novato,
eles conheciam Pequeno e sabiam bem do que ele era capaz. Também sabiam que era
o dia do aniversário do marginal, ou seja, ele tava mais exaltado do que de
costume, isso era um fato. Ninguém sabia o que poderia acontecer ali, por isso
nenhum deles se meteu, só ficaram olhando fixamente pra cena do mavambo
apontando o cano da arma de fogo bem na direção do queixo do vapor.
- REPETE, SEU MERDA! Tá pensando o que!? Tá achando que viado é
bagunça, filho de um puto?! Me dá um bom motivo pra não derreter teus miolo
agora mesmo, vai!?
Um infeliz e azarento acabou tentando dizer alguma coisa pra
contornar a situação.
- Coé, chefe! Pensa no Lelé, ele não ia querer que tu fizesse
isso.
Foi só lembrar do Lelé que o cafução tirou a arma do queixo do
novinho, apontou pro alto e deu dois disparos seguidos, fazendo todo mundo no
beco abaixar imediatamente. Aquele nome era o seu gatilho: Lelé. Quem teve a
porra da péssima ideia de falar aquele apelido justo quando Pequeno segurava
uma arma de fogo e tinha acabado de ouvir piadinha de um dos vapores?
- TÁ MALUCO DE FALAR O NOME DESSE ALEMÃO FILHO DA PUTA NA MINHA
FAVELA, DESGRAÇADO!? TU QUER MORRER, SEU RESTO DE LIXO!?
- Calma, chefe, calma! Calma!
- Calma é o caralho, seu otário! Eu sou bichinha mermo, tá
maluco, doidão!? Sou bichinha, dou o cu e sou dona dessa porra toda aqui, tu tá
me escutando?! E se tu quiser continuar aqui, é melhor andar na linha e
respeitar essa bicha que tá apontando a arma pra tua cabeça, sua aberração dos
infernos! Escutou!?
Com os braços levantados e indefeso no canto, o vapor hesitou
cautelosamente. O negão sentiu a respiração nervosa e quente do moleque contra
o seu peitoral, lembrou que era o dia do seu aniversário e não segurou as
vontades sádicas, só pra deixar o pivetão maluco. Pequeno esticou a mão,
segurou o pescoço do cara e foi descendo até o tórax, sentindo as recuadas
involuntárias que a barriga do puto deu de nervoso.
- Que isso, chefe?! Por favor, eu tenho mina, chefe! Faz isso
não, maluco...
- Mina? Tu? E qual é o nome dela, dá o papo. Idade, profissão...
Abaixou os dedos no volume do caralho do vapor, apertou a massa
de pica e mordeu o beiço, vendo a cara de descontrole do novinho naquele
momento de tensão. Uma arma de fogo na mão e o revólver na outra, era assim que
Abner Pequeno gostava de se sentir. Até que ele desceu um pouco o corpo na
frente do sujeito indefeso, ficou de joelhos e olhou pra cima, rindo.
- Será que a tua mina paga um boquete melhor do que o que eu vou
pagar agora? Hehehehehe!
- Que isso, chefe?! Vai acabar furando a boca aí, faz isso não!
Como é que fica a minha moral na facção se eu acabar ferindo o senhor?
Hehehehe!
Em volta deles, todos os outros marginais assistindo àquela cena
com um certo gosto, alguns até lambendo os beiços e rindo pros outros. Desde que
o negão assumiu a gerência das principais bocas de fumo do Morro do Paraíso, a
gestão agora era feita sob nova direção, tudo com muita... Paz. Sim, paz, por
mais estourado e embrazado que fosse Abner Pequeno.
- E quem vai furar minha boca, tu? Hahahahaha! – à vontade, o
dono do morro pegou novamente o revólver, apontou de novo no queixo do vapor e
deu a ordem. – Então tá certo. Se tu não furar minha goela, eu acabo contigo.
Tamo combinado, doidão? Pique roleta russa, mas uma roleta... Carioca.
Hehehehe!
A história de formação do Complexo do Céu na Terra envolve um
complicado contexto de violência urbana na cidade do Rio de Janeiro. Historicamente
falando, o Morro do Paraíso e a Favela do Éden permaneceram sem bandidagem por
muito tempo dentro do subúrbio carioca, mas esse milagre não durou tanto. As
duas facções que assumiram o Complexo passaram a entrar em guerra
constantemente, os IDI, “Irmãos dos Irmãos”, e os CA, “Comando Azul”. Desde
2009, os moradores não tiveram paz, devido à incessante competição entre essas
gangues pelo controle do tráfico de drogas local. A disputa só teve fim por volta de 2011, depois da
construção de um muro que finalmente demarcou a área de atuação de cada facção,
dando um basta na eterna guerra suburbana que banhou os chãos daquelas favelas
de sangue durante muitos anos. Mas... E se, em vez de uma enorme parede
dividindo as duas regiões, ambas as facções dessem à luz um único filho? Todas
as melhores histórias do Morro do Paraíso sendo bordadas no mais experiente
tecido da Favela do Éden, qual pode ser o resultado? Ali estava. Aquele que
superou as armadilhas existenciais e sobreviveu no solo incandescente e
malcriado da periferia carioca. Ele, mais um filho insubmisso do mesmo asfalto
suburbano que todos os outros.
- Que isso, chefe!? Tem certeza que tu quer se machucar no meu
fuzil? Fffff!
- Eu monto e desmonto parafal todo dia, doidão. Tu tá botando fé
que me machuca, papo reto?!
Ajoelhado na frente do pivete, Pequeno amassou o volume do
tacape do puto e sentiu aquela massa de cobra ficando cada vez menos mole e
mais rígida, abrupta, com fome de putaria. O mesmo macho que o zoou por dar a
ré na marcha agora estava sendo patolado, amassado, controlado por cima da
bermuda jeans surrada e ficando de pau duraço, bem na frente dos amigos da boca
de fumo, que assistiam a tudo com muita atenção.
- É que já machuquei várias piranhas daqui do morro, né, chefe?
- E eu lá tenho cara de piranha que tu vai machucar, seu
merdinha?!
Olhando pra cima e encarando o novato nos olhos, o dono do morro
abriu o zíper, viu a pentelhada do molecote e sentiu o cheiro de pica recém
mijada inebriando suas narinas, ficando com a boca cheia d’água. Depois de
sentir o odor da macharia, o mavambo puxou a bermuda pra baixo, viu a cintura
oblíqua e bruta do moleque e não pensou duas vezes: abriu o bocão, engoliu a
jamanta e deixou a goela trabalhar.
- SSSsS, puta merda, chefinho! FFfFF! Achei que fosse caô que o
dono dessa porra era bicha, mas tô vendo que é tudo verdade, né?
Ocupado demais pra responder, o aniversariante do dia deu o
presente pro vapor, prendendo as mãos nas laterais das coxas do pivete e o
puxando ainda mais pra dentro de si, só pra causar aquela sensação iminente de
engasgo. A cabeça do caralho nem teve tempo de sair do prepúcio, isso só
aconteceu depois que já tava na garganta, conforme a pilastra cresceu durante o
boquete, bem do jeito que Pequeno gostava de fazer com seus machos.
- OrrSSS! Isso, mama até o talo dessa vara, vai, chefe? FFff!
Boqueteiro do caralho, assim que eu gosto! HmmmSS! – em pouco tempo de
exercício, o moleque fez questão de dar ao dono da boca o que ele tanto queria
ganhar, mesmo tendo namorada. – Dá uma chupada na minha bola, vai, viado? Isso,
puto! SSsS!
- Quem disse que tu pode botar a mão na minha cabeça, seu filho
da puta!? – o negão marrento deu um tapa no pulso do vapor e o empurrou pra
trás. – Tira a mão de mim, me deixa à vontade!
- Foi mal, chefe. Não faço de novo!
- Acho bom mermo, doidão. Se tu não quiser perder a porra da
mão!
Os outros olhando, meio tensos, e Pequeno nunca deixando de lado
seu jeito dominador, até na hora de ajoelhar e cair de boca na vara dos amigos
do plantão. O macho que ele chupava era um novinho magrinho, da pele parda,
tipo definidinho e com os braços e o pescoço tatuados, fazendo a linha marrento
e precoce, talvez em seus 18, 19 anos de idade. Pentelhudo, com uma senhora
pica entre as pernas e se prendendo na goela do chefe da boca, só pra ter a
sensação luxuosa das bolas se escorando no queixo do marginal. Quando o
molecote olhava pra baixo, ele mal acreditava na cena do dono do Morro do
Paraíso engasgando e engolindo seus mais de dezoito centímetros de caceta
escura e comprida, toda veiúda, com a cabeça solta, inchada e deixando gosto de
macharia na garganta do aniversariante. Diante disso, outro dos crias da favela
também foi se aproximando e passando a mão pela nuca do negão ajoelhado.
- Coé, chefinho, tu se importa se eu te botar pra cheirar essa
pica aqui, ó? A minha é mais cheirosa, saca só o cheirão de macho depois do
treino?
Esse segundo vapor era todo forte e parrudo, da pele morena,
careca, com cavanhaque e os braços grossos. Um cafução massudo, tatuado, das
orelhas estouradas, a cara fechada e que dava aula de muay thai pros jovens da
comunidade. Mais ou menos quarentão, de aliança no dedo e esfregando o rosto de
Abner contra o short suado, pra fazer o chefe sentir seu cheiro de suor, de
testosterona, de macharia e também do picão gordo latejando no tecido.
- Ou, me dá atenção também, chefinho? – o primeiro vapor cobrou
e tentou puxá-lo de volta pro boquete. – Tô ficando seco, já!
Mas o segundo macho, o parrudo lutador, também não quis saber de
meio tempo e tornou a esfregar a selva da pentelhada contra a fuça suada do
traficante.
- Não, calma aí. Deixa ele sentir esse cheiro de pica primeiro,
que eu tô ligado que ele se amarra! HmmfFFF!
Enquanto isso, Abner perdido, se deliciando com o melhor
daqueles dois. Ele mal tinha tempo pra falar, mas sabia que todo o controle era
seu. Era ele quem definia o que, o quando, onde, como e com quem, por isso
estava ali naquele momento, ajoelhado, cheirando pentelhos de um professor de
muay thai casado e engasgando no trombone de um dos vapores da boca de fumo do
Morro do Paraíso. Um terceiro maluco, branquinho e também tatuado, se aproximou
e já botou o salame de fora, ainda mole, ensaiando uma punheta no rosto do negão.
- Passa vontade não, chefia, pode caprichar! Hehehehe!
O sol passando por cima do Complexo naquele instante, o calor
derretendo todo mundo, mas eles entocados no fundo do beco, longe dos olhos das
ruelas principais, imersos no mundo criado por Pequeno quando ele assumiu como
dono do morro. Apesar do comportamento dominador e genioso do negão, só
participava ali quem queria, quem ele sabia que tinha um pé no mesmo mundo que
o dele, muito embora alguns demorassem a admitir isso. No fim das contas, ali
estavam três machos botando o mesmo dono da boca pra pagar boquete. Três
cacetas em formatos e gostos diferentes na mesma goela.
- Abner Pequeno! Quem diria, ein? Quem te viu e quem te vê,
negão!
A voz desconhecida irrompeu do começo do beco e imediatamente os
três caras começaram a se ajeitar, numa reação parecida e espontânea. Sem
pressa e ainda ajoelhado, o mavambo olhou pra trás, viu um sujeito totalmente
desconhecido parado e o observando, com um risinho cínico no rosto. Dois dos
machos sacaram suas armas, apontaram na direção do maluco, mas essa cena só fez
o recém chegado rir ainda mais, porque as cacetas duras nas bermudas ficaram
evidentes.
- Como esse Rio de Janeiro é... Como eu posso dizer... Pequeno!?
Haahahah! – o homem continuou rindo e falando de uma forma simpática até
demais, após ter pego todos os marmanjos naquele beco fazendo putaria com o
dono do morro.
Todo mundo apontando as armas pro sujeito, exceto pelo próprio
Abner, que levantou de onde estava ajoelhado e foi andando na direção do cara,
finalmente saindo das sombras.
- Eu não sei quem tu é, mas tô ligado que tem que ser muito
burro pra entrar na minha favela e me zoar assim na cara de pau, doidão.
- Ah, deixa disso, cuzão! Heheehehe! – sem medo, o homem abriu
os braços, sorriu e esperou pelo cumprimento. – Vai dizer que tu nem sentiu
minha falta, Bezinho?
Uma vez na luz, Abner fixou os olhos no rosto daquele sujeito,
analisou por uns breves segundos e logo viu outra pessoa surgindo atrás dele.
As feições rústicas e inacabadas do rosto daquele cara trouxeram a maior
sensação de nostalgia, principalmente por conta dos olhos escuros e tão
característicos.
- FAEL!? CARALHO, PRIMO!? – assustado, Pequeno finalmente o
reconheceu e pulou pra dar um abraço, mesmo sendo bem maior e mais velho que o
outro. – Quanto tempo, seu filho de uma puta! Aonde foi que tu se meteu,
arrombado!?
- Porra, tu tá muito diferente, moleque! Nunca pensei que fosse
te encontrar vivo, ainda mais depois daquela merda que aconteceu aqui no
Complexo, né?
- Cara, primeiro de tudo. Nunca se chega assim na boca de fumo
de ninguém, tu tá escutando? HAHAHAHA! Seu corno!
- Ah, para! Eu te deito na porrada a hora que eu quiser,
moleque! Hehehehe! – animado como nunca, Fael entregou a mochila pro noivo ao
seu lado, pulou na direção de Abner e, mesmo sendo mais fraco e menor,
conseguiu emendar um cascudo, quase derrubando o primo mais velho. – Seu puto!
Não falei?! Hehehehe!
Vendo a cena, André segurou a bolsa com os equipamentos e quase
deixou as coisas caírem, de tão pesadas. Em seguida respirou, revirou os olhos
e só então notou as armas dos outros homens da boca de fumo, ainda apontadas em
sua direção.
- Relaxem aí, eu tô com esse cara! – ele ficou meio nervoso. –
Fael, por favor, fala com eles que eu tô junto?
Mas o noivo se entreteve em matar as saudades do primo mais
velho, deixando o resto das pessoas naquele beco sem reação. Os vapores não
sabiam que Pequeno tinha outro primo mais novo, assim como o próprio André
também não tinha noção desse fato e só descobriu quando chegaram ali.
- Como tu descobriu que eu tô daqui, Fael? – Abner perguntou. –
Quem te deu a visão?
- Porra, é a gente que instala o serviço de câmera de vigilância
que tu contratou, mano! Hehehehe! Aí quando eu brotei lá do pé do morro e vi um
pessoal comentando que o dono da boca é um viado marrento, já soube que só
podia ser tu, Bezinho! UAHUAHAHHAA!
Eles caíram na risada, Pequeno totalmente desarmado diante da
inesperada surpresa do primo de tantos anos. Nenhuma outra pessoa faria piadas
com ele sem sofrer retaliações, por exemplo, exceto por Rafael, o parente de
longa data, sumido há tanto tempo.
- Minha reputação tá muito boa na pista, pelo visto. Heheheheeh!
- Vai ver tá na nossa família descobrir que é viado, né?
O negão olhou pro lado, observou André, e aí finalmente o
cumprimentou, entendendo o significado do que o primo quis dizer.
- Coé? Abner Pequeno.
- Prazer. Eu sou André... Noivo do seu primo.
O casal se abraçou, Fael encostou a cabeça na do noivo e abriu o
sorrisão, deixando Pequeno um tanto quanto orgulhoso, principalmente por conta
de como as coisas estavam indo bem no presente. Eram anos de paz no Morro do
Paraíso, assim como anos de luz na vida do ex traficante Rafael e do futuro
maridão André. O cafuçu ex marginal olhou o negão de baixo à cima e riu.
- Caralho, Bezinho, como tu cresceu, ein!? Tá maior que eu,
viado?!
- Também, porra, mais de não sei quantos anos que a gente não se
vê! Mais de década que não encontrava contigo e que não encontro com aquele
marrentinho do Menó também. Como é que ele tá, tem notícia!?
- Ih, muita coisa aconteceu, primo! Mas Menózão tá de boa, saiu da
bandidagem também. Tá todo mundo andando na linha, todo mundo saindo dessa
vida, até que eu chego aqui e descubro que tu virou o chefe do morro. Como são
as coisas, né não!? Fala tu?! Hehehehe!
Pensativo, Pequeno olhou pro alto, observou as nuvens brancas no
céu azulado de verão e deixou um sorriso sincero transparecer no rosto de quase
trinta anos. Aquele era o dia do aniversário de 28, mais um ano de muita
experiência, vivência e acontecimentos na vida do negão.
- É como tu falou aí, Fael. Muita coisa aconteceu. – Abner
fechou os olhos e a mente se elevou. – Muita coisa rolou durante todos esses
anos que geral se afastou, primo...
BEZINHO: A ERA DE BRONZE
Antes de se
tornar Abner Pequeno, o apelido do negão era neguinho, também conhecido por
Bezinho, devido principalmente ao perfil físico magricelo, de frango, com o
corpinho fraco e a aparência frágil. Aos 18 anos de idade, tomando conta da mãe
acidentada e acompanhando as primeiras habitações sendo instaladas no Complexo
do Céu na Terra, Bezinho não tinha muitas preocupações na vida, a não ser os
estudos, o trabalho e os pequenos prazeres do dia a dia de morador do Morro do
Paraíso. Pros estudos o moleque magrelo nunca deu muita atenção, porém também
nunca chegou a abrir mão totalmente, porque sempre acreditou na mãe quando ela
dizia que estudar o levaria a qualquer lugar que quisesse. Mas as contas não se
pagariam sozinhas, então o novinho logo arranjou um emprego, ainda mais depois
que a mãe perdeu o movimento das pernas.
- Confia em mim, coroa. Eu vou dar um jeito! – ele garantiu,
apesar de ter só 18. – Prometo que cuido da gente!
Mesmo trabalhando de segunda a sábado, neguinho encontrava tempo
pro seu lazer favorito: não fazer nada, só olhar o céu e apreciar o paraíso
natural que a natureza do Complexo do Céu na Terra era capaz de oferecer. Uma
favela tão grande, um conjunto de comunidades tão imenso, que as colinas
conseguiam se arrastar desde o meio do subúrbio carioca até quase os pés da
Bahia de Guanabara, na área central da cidade do Rio de Janeiro. E é esse
detalhe crucial, o do tamanho das favelas, que torna possível suas encostas
banhadas por céu e mar. Ou seja, Bezinho tinha total razão em passar horas
seguidas sentado na rocha lateral do morro ou então no alto da laje do barraco,
só admirando o pôr do sol e fumando um baseadinho fino, pra relaxar o estresse
dos dias corridos de muito trabalho. Quem poderia culpar um moleque magro,
bobinho e trabalhador, que só queria relaxar sob um suburbano crepúsculo
carioca?
- Coé, neguinho? Tá aí? – a voz rápida e sussurrada quase passou
despercebida no beco.
Viajando nos próprios pensamentos, o jovem Abner esticou o
corpo, olhou pro lado de fora da pequena propriedade e viu o melhor amigo lá embaixo,
acenando e meio que se escondendo.
- Sou eu. Posso subir?
- Claro que pode, seu puto! Demorou, porra!
A razão da conversa em volume baixo era a mãe do novinho não
descobrir que eles estavam em cima da laje fumando maconha, porque, mesmo
entendendo que aquele era o alívio do filho, ela não gostava de vê-lo dopado.
Coisa de mãe. Talvez fosse o medo do filhote se envolver na bandidagem, mas
isso, de acordo com Bezinho, jamais aconteceria, sendo ele tão trabalhador,
guerreiro e dedicado a sustentar o próprio lar.
- Eu fui lá na outra boca pegar haxixe pra gente.
- Hax? Tu foi lá no Éden pegar isso, Lelé?! – fez cara de
surpreso. – Já pensou na merda que ia dar se vissem você passando de uma favela
pra outra com isso?
- Ah, coé, neguinho!? Tu não deu o papo que queria fumar um
baseadinho com haxixe? – de pé do lado do amigo sentado na laje de cimento,
Lelé deu um sorriso, tomou o baseado dos lábios do colega e botou na própria
boca, babado mesmo. – Fui lá nessa missão pra gente, meu cria! Agradece depois,
bora fumar primeiro. Heheheheh!
Com o corpo menos magro que o de Bezinho, a pele mais clara, mas
ainda pardo, Lelé era todo falante e animado, combinando com o sorrisão
brilhante que tava sempre ostentando no rosto. Além das covinhas marcantes,
outra marca registrada do cafuçu eram os óculos na cara e também o cabelo
enroladinho, quase sempre com as pontas descoloridas em loiro. Não existia
ninguém em qualquer uma das cinco favelas do Complexo do Céu na Terra que não
conhecesse o Lelé: ele era o filho único do primeiro chefe da facção que
assumiu o Morro do Paraíso, logo no início dos piores anos da guerra do
tráfico. Melhores amigos, ele e Abner passavam quase todos os fins de tarde
juntos, fumando em harmonia e vendo o laranja do céu se transformar no mais
maravilhoso lilás, cor de safira, por conta dos anoiteceres do tempo de verão
se aproximando. Dias mais longos, tardes duradouras, que nunca terminam, e
noites quentes, três fenômenos naturais que sempre rodearam o Paraíso, talvez
por isso o nome da comunidade.
O segundo
prazer e hobby favorito de Bezinho era a observação. O moleque magrelo gostava
de observar o mundo, se encantando e também se assustando com muitas coisas que
via no cotidiano. Pessoas sendo presas, morrendo, nascendo, sendo soltas,
casando, divorciando, criando pernas ou... as perdendo. Ele via de tudo ao seu
redor, incluindo o cenário às vezes caótico do morro que o rodeava, no qual sempre
estava inserido. Uma das cenas que deixava o coração do jovem Abner saltando
dentro do peito, por exemplo, era quando ele ia na boca de fumo comprar maconha
pra fumar e quem tava por lá era o Matão da Caixa Alta. Esse cara virou gerente
da boca de fumo depois que o pai de Lelé morreu, se tornando o chefe da facção
durante muitos anos, numa gestão que ficou marcada pela desaprovação total dos
moradores – principalmente por conta das extensivas cobranças que o marginal
fazia, além de quase sempre falhar em proteger a favela nas operações
policiais, resultando em inúmeras mortes.
- Coé, magrelo. Vai querer o que?
Toda vez que o jovem Abner chegava na boca de fumo, dava de cara
com o Matão e escutava a voz grossa perguntando o que ia querer, ele se sentia
mal. Não por saber quem o Caixa Alta era e o quão perverso ele poderia ser, mas
por ter que se controlar pra não acabar olhando pra mulher do cara. Ou pro
cara? Era difícil dizer qual dos dois era mais instigante de olhar, essa era
uma verdade. A morena tinha marquinha de sol, os seios fartos e a cintura
sinuosa, do jeito que Bezinho gostava. Ao mesmo tempo, além de arrogante, Matão
era alto, malhado, meio definido, só andava sem blusa e tinha o corpão tatuado,
com pelos em posições estratégicas pra quem observa. Por isso as pernas do
molecote se tremiam quando ele parava na frente da mesa da maconha e pensava no
que responder ao dono da boca.
- Desembucha, fedelho! Antes que eu desista de vender pra você.
Hehehehee! – o gerente da biqueira gargalhou alto, mostrando os dentes de ouro
e alisando a barbicha. – Escolhe, porra! Vai querer o que?
- Eu quero...
- Acabou o tempo, pirralho! – arrogante que só ele, Caixa Alta
amassou o dinheiro na mão, enfiou no bolso e parou de rir. – Rala, hoje não tem
baseado pra tu!
Nervoso e sentindo que os olhos iam se encher de água, Abner
achou melhor dar meia volta e sair dali, pelo menos os caras da boca não veriam
suas lágrimas e não tornariam o momento pior. Porém, ao virar o corpo pra sair,
Bezinho escutou a voz familiar vindo do fim do beco, tão atrevida quanto à do
Matão da Caixa Alta.
- Tá maluco de não vender droga pro cara?! Ele é morador, quem
tu pensa que é?!
Lelé pisou fundo, em passos largos, parou na frente do gerente e
fechou a cara. Mesmo tendo só 18 anos, ele não se abalou e ficou ali, fazendo
frente em nome do melhor amigo, até porque, ninguém em sã consciência era louco
ou corajoso o suficiente pra desafiar publicamente o herdeiro primogênito e
legítimo de todo o Complexo do Céu na Terra.
- Eu tenho total direito de não vender droga pra uma criança,
seu moleque!
- Criança porra nenhuma, o Bezinho já fez dezoitão, seu bosta!
Se não vai vender pra ele, então devolve a grana do moleque. Isso é roubo, aqui
dentro ninguém rouba ninguém, é todo mundo morador!
O momento de tensão durou poucos segundos. Muito contrariado, o
gerente da boca enfiou a mão no bolso, pegou as notas e jogou no chão, com
raiva, obrigando os novinhos a catarem tudo, que foi o que eles fizeram. Depois
que saíram dali, Abner agradeceu pela atitude do melhor amigo, mas a coisa não
acabou por aí.
- Não me agradece agora, a gente ainda tem muito pela frente!
Heheeheh! – Lelé esfregou as mãos, desviou o caminho usual da laje do barraco e
foi aí que Abner logo soube que ele tinha algo em mente. – É melhor tu me
agradecer mais tarde, moleque!
No fim daquela tarde, em segredo, a dupla de amigos inseparáveis
entrou no barraco do Matão da Caixa Alta sem ninguém ver e roubou um monte de
calcinhas da mulher dele, como se fosse aquela típica traquinagem de moleques jovens
e cheios de tesão. Não tinha ninguém na viela, então a ação foi bem rápida e
nada maquinada, porém bem efetiva. No meio da agitação, Bezinho se sentiu mal,
não pelo que fez, mas por ter passado por aquela situação de humilhação diante
do Caixa Alta na biqueira e ainda assim ter roubado uma cueca usada do
traficante, enquanto Lelé não estava olhando. Depois do furto, eles finalmente
retornaram pra laje onde passavam os fins de tarde fumando, e aí se acabaram em
punheta, fissurados no cheiro da buceta da mulher do bandido. (Mesmo o Abner
Pequeno do presente, aquele que estava completando 28 anos, poderia dizer por
ele mesmo a sensação inexplicável que teve quando viu a rola do melhor amigo
pela primeira vez na vida: toda escura, veiúda, com a cabeça rosada bem solta
do corpo longo.)
- Que foi, moleque?! Gostou? Hahahahaha! – o próprio Lelé
percebeu o melhor amigo olhando e achou graça. – Nunca tinha visto pau, não?
Hheehhe!
Faltou fôlego, faltou resposta, faltou disfarçar, faltou
simplesmente tudo naquele momento. Foi quase como se, mesmo sabendo que era
humano, só agora o jovem Abner conseguisse sentir explicitamente o coração
batendo forte no peito, vivo, fogoso, incandescente e caloroso. Tão forte
quanto a sensação acalentada do verão carioca, eterno e suburbano.
- Foi mal, é que... – neguinho tentou contornar a situação. – É
a primeira vez que eu fico pelado perto de outro cara.
- Relaxa, meu cria! Tamo entre amigo, pô. Tá de boa...
Um tocando punheta e o outro olhando, lado a lado, ambos encostados
na mesma parede de cimento, enquanto o sol se punha no fim do horizonte, entre
as colinas e o oceano. Não havia como negar, aquele era mesmo o Morro do
Paraíso, localizado bem mais perto do céu do que a Favela do Éden, que era
situada mais aos pés da montanha. Apesar de toda a tranquilidade e o deleite
paradisíaco e sexual daqueles momentos, nenhum deles sabia ainda que o inferno
residia bem próximo do paraíso.
Cheirar as
roupas íntimas do Matão da Caixa Alta e de sua mulher mexeu um pouco com o
corpo e também com a mente acuada e franzina do moleque Bezinho. Primeiro que
ele se descobriu potencialmente bissexual. Segundo que também descobriu um
tesão latente por aquela morena. O terceiro fator, porém, foi o que modificou
ABSOLUTAMENTE a vida de Abner. Perto do aniversário de 22 anos de idade, ele e
Lelé, agora bem mais adultos, foram comemorar numa boate da Zona Sul, cientes
de que aquele lugar era muito badalado pela galera jovem do Complexo. No auge
da bebida, da diversão e também da droga, Bezinho avistou a morena sozinha com
as amigas. Ela mesma, a mulher do Matão, toda produzida, carismática e longe do
marido. O mavambo nem pensou duas vezes, parou de dançar, se aproximou daquela
pessoa e ela logo o reconheceu.
- Quanto tempo! Quem diria, ein?
- Você vem sempre aqui? HJahahaha! – ele não escondeu o jeito de
bobão de sempre, apesar de estar cada vez mais sagaz e dedicado aos treinos de
capoeira.
- Só quando eu quero me livrar do chato do meu marido, Abner.
- E por acaso você já se livrou do chato do seu marido hoje?
- Sabe que não? Hihihihih...
Eles riram, conversaram, beberam por um tempo, tudo isso sem o
Lelé ter se dado conta do clima que tava rolando, até porque, ele mesmo foi se
agarrar com uma mulher do lado de fora da boate. Bezinho e a moça terminaram a
noite num quarto de motel, fazendo aquilo que ele sempre quis fazer junto dela,
desde que tinha seus 17 pra 18 anos e o saco pesou: sexo. A noite foi
maravilhosa, com vários orgasmos e gozadas seguidas, mas antes do amanhecer, o quarto
ficou vazio. Quando o moleque inocente acordou e olhou pra frente, viu somente
uma cadeira de costas pra cama, com o brutamontes do Matão sentado e o
observando dormir.
- A madrugada foi boa, né, pivete!?
Sádico, o marginal riu e mostrou todos os dentes brilhantes que
possuía. Estava sem blusa, como sempre, com o peitoral e o tórax de fora,
tatuados. A bermuda jeans surrada e toda suja do plantão na boca de fumo,
chinelos nos pés e com a pistola na cintura.
- O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI!? – assustado, Bezinho tentou
aumentar o tom de voz, mas o traficante foi logo o advertindo.
- Shhh! Melhor ficar caladinho, moleque. Vamo resolver isso de
um jeito tranquilo e sem dor, já é? Até porque, o corno aqui sou eu, né não?
Fala tu?
- Foi sem querer, eu juro! Eu tava... Sei lá, bêbado, não
pensei!
- Shhhh! Já mandei tu ficar caladinho, filho da puta! Tá
querendo morrer?!
Caixa Alta finalmente levantou e ficou de pé no quarto,
revelando seu tamanho enorme diante daquela cama toda desarrumada. Estalou os
dedos das mãos fechadas, se aproximou da beira do colchão e destravou o
pescoço, demonstrando o quanto queria enforcar aquele pivete ali mesmo. Cheirar
as roupas íntimas do Matão e de sua mulher, como dito anteriormente, mexeram um
pouco com o corpo e também com a mente acuada e franzina do moleque Bezinho. O
terceiro fator, aquele que modificou ABSOLUTAMENTE a vida de Abner, foi o que
deu coragem suficiente pra fazer o que ele fez naquele momento, quando viu o
troglodita da boca de fumo o cercando contra o encosto da cama de casal. Nego
levantou a mão, colocou no meio do peitoral do bandido e respirou fundo,
sentindo o cheiro do suor caindo em cima de si. Em seguida, deixou os dedos
deslizarem e desfrutou da textura dos pelos suados do traficante acariciando
sua pele.
- Ué, tu me fez de corno e agora tá me alisando, seu viadinho?!
Matão não teve resposta, só sentiu a mão de Abner descendo até o
volume do caralho na bermuda e o patolando de leve, como se quisesse saber o
quanto suas bolas pesavam. Um moleque prestes a morrer, aproveitando pra fazer
o que sempre teve curiosidade de fazer. Corpudo, tatuado, pardo, dos braços
musculosos e com cara de ruim, Caixa Alta não acreditou naquela reviravolta
acontecendo.
- Tu curte uma pica, é, moleque?! Tá me gastando!?
Sedento, Bezinho fez que sim com a cabeça, segurou a mão do
marginal contra seu rosto e voltou a acaricia-lo no pacote de calabresa
volumosa no jeans. Grande que só ele, o dono da boca se jogou na cama e
permitiu que o fogo do ódio virasse o da vingança carnal, resultando numa coça
sexual pra deixar Abner com o cuzinho ardendo, piscando pela perda do cabaço. A
primeira vez que deu a bunda foi justamente pro traste que tanto implicava com
ele, o chefe do Morro do Paraíso naquela época passada, isso depois de ter
trepado com a mulher do cara. Querendo ou não, aquela era uma sensação de
satisfação, depois que toda a tensão passou. Afinal de contas, nego fez o que
ele sempre quis fazer junto do Caixa Alta, desde que descobriu que seus
hormônios eram suscetíveis à cara de mau daquele marginal: putaria.
- Vai aonde, pirralho? Deixei tu sair?
Depois da foda, Matão viu um Bezinho sorridente levantando e se
vestindo, completamente mudo. Uma vez vestido, Abner olhou pra cama e viu o
macho alfa descansado, deitado e muito à vontade, com as bolas cansadas
esparramadas de lado. Sentiu o cu cheio de leite, assado, com manchas de sangue
e as pregas ardendo em fogo, mediante à pressa e o ódio com os quais Caixa Alta
rompera seu lombo.
- Volta pra cá, volta? Tô doido pra te arregaçar sem pena de
novo, sua bichinha. Quem diria que um negão desses vira uma florzinha na cama,
ein? HAHAAHAHAHAHA!
O tal do pirralho, agora com 22 anos, também soltou uma
gargalhada dentro do quarto, em seguida movimentou a mão e fez um ruído único
dentro do cômodo: o som do cão da pistola sendo puxado. Ao ouvir isso, Matão
parou de achar graça e olhou pra frente, completamente sério, vendo Abner
apontando a arma pra si e preparando os dedos no gatilho.
- TÁ MALUCO, VIADO!?
- Maluco é o caralho, seu merda! Tu entrou aqui pra me matar,
não foi?!
- E é o que eu vou fazer contigo e com o peso morto da tua mãe se
tu não abaixar essa por-
- “BUUM!” – o barulho só não foi maior, por conta do silenciador
no cano da arma.
Um buraco enorme foi aberto, exatamente no meio, no centro do
peito, bem do lado do coração, fazendo sangue quente jorrar por cima da cama
quase toda. Parado Caixa Alta estava, parado Caixa Alta permaneceu, com os
olhos arregalados, a cara ficando branca e o suor frio escorrendo. Dava pra ver
a fumaça saindo da cratera perfurada em seu tórax, de tanto fogo e ódio
liberado pelo disparo.
- Tu... – a voz quase não saiu, com sangue vazando até pela
boca. – ... Não tem... pena!?
- Pena eu tenho da minha mãe, que quer andar e não pode. De você
eu tenho é... Dó?
A visão também escorreu, como se fosse líquida, e se foi junto
com o plasma descendo no buraco aberto no peito. Tonto e assado, um desnorteado
e arrependido Bezinho já estava chegando de volta à favela quando a polícia entrou
no quarto do motel e encontrou o corpo morto de Donaldo Pires Bronco, o famoso
Matão da Caixa Alta, foragido e procurado há mais de dez anos pela polícia do
Rio de Janeiro. Assim teve fim o truculento domínio do marginal no Morro do
Paraíso.
Cheirar as roupas íntimas do Matão da Caixa
Alta e de sua mulher mexeu um pouco com o corpo e também com a mente acuada e
franzina do moleque Bezinho, como já se sabe. Ele se descobriu bissexual,
transou com a morena, com o marido dela e, por fim, matou o cara. A vida nunca
mais foi a mesma, começando pela mente arrependida do que fez, mas ao mesmo
tempo tentando entender a vingança como necessária. O malandro até fingiu que
poderia levar as coisas na quietude, mas não aguentou por muito tempo. Na
madrugada seguinte, quando toda a favela estava em festa e comemorando a
notícia da morte do Matão, Bezinho subiu pra laje e tentou fugir do cheiro de
churrasco rolando solto pelas ruelas. Pagode, funk, forró, tudo misturado,
afinal de contas, ninguém gostava do Caixa Alta. A própria viúva não se chamava
de viúva, se chamava de ex mulher, e tava lá, bebendo, sambando, dançando à
vontade na festa que os moradores fizeram. Sozinho na laje, Abner olhou pras
mãos trêmulas, lembrou da sensação do disparo e sentiu o peso da arma, assim
como o barulho e a quentura do fogo da pólvora.
- Psit!?
A arma do crime, da qual ele fora incapaz de se livrar, estava
em suas mãos.
- Psit?! Bezinho!?
Abner ouviu o barulho, mas não teve muita força pra reagir. Em
poucos minutos, Lelé subiu o muro e apareceu do seu lado, todo arrumado e com
um boné dourado na cabeça, escondendo os fios loiros. O cheiro do perfume fez o
neguinho se animar, mas mesmo assim ele continuou cabisbaixo, não fazendo
qualquer questão de esconder a arma nas mãos.
- Bezinho, tu... Bezinho? – o amigo insistiu.
Foi quando Lelé abaixou o corpo, viu a pistola, raciocinou por
alguns instantes e pensou no significado daquilo. Lembrou da notícia que tinha
que dar a Abner, mas se perguntou se ele de repente já não sabia do ocorrido.
Mais do que isso, Lelé se questionou se não foi o próprio colega o causador do
ocorrido em si.
- Abner... Você... ? Você fez... ?
Sem pensar duas vezes, o novinho só assentiu, fazendo que sim
com a cabeça e começando a chorar. Lelé sentou e botou o ombro na testa do
amigo, deixando-o desabafar em seu peitoral. Apoiou a mão em suas costas, deu
um abraço e eles ficaram um bom tempo aninhados, sentindo a passagem do tempo,
os anos se tornando mais rígidos e as consequências dos atos pesando cada vez
mais na vida.
- Bezinho... Eu vim aqui te falar que... Agora que o Caixa Alta
caiu, tu consegue imaginar quem eles querem que assuma o comando, né?
Nem precisava de resposta. O mavambo olhou pra cima, encarou o
melhor amigo nos olhos e não soube exatamente o que dizer. Quem, senão o
herdeiro direto do ex dono do Complexo, pra ser o novo dono do Morro do
Paraíso? Aquele que era o mais querido
por todos, o mais carismático, o mais conhecido.
- Você... Vai ser o novo dono do morro? – Abner perguntou,
curioso.
- Vou. E vim perguntar se tu quer assumir comigo. Tipo, nós
dois... Eu e tu, tá ligado?
Segundos de pensamentos e tensões, muitas tensões. Debaixo do
céu cor de safira, muitas coisas eram decididas em instantes preciosos,
acompanhados da nostalgia do verão passando e do cheiro do churrasco
acontecendo em cada uma daquelas vielas ao redor da laje torta.
- Eu... Prometi pra minha mãe que não ia fazer isso, tá ligado,
Lelé? Mas... Eu prometo que vou cuidar de tu, tá bom, mano? Que nem eu cuido
dela.
Choros, sorrisos, lágrimas, abraços. O fim de uma era e o começo
de outra para a dupla inseparável de amigos. Assim como antes, nenhum deles
sabia exatamente o que os esperava a partir dali, só sabiam que a vida adulta
era mais difícil do que parecia. Muito mais difícil do que sempre pareceu.
BEZINHO: A ERA DE PRATA
Conforme as semanas passaram, Abner foi tendo
a certeza de que a melhor coisa a se fazer era se livrar daquela arma o quanto
antes. Graças ao fato das câmeras de segurança do motel estarem quebradas no
dia do ocorrido, as investigações sobre a morte do Matão da Caixa Alta quase
não avançaram e a polícia trabalhava com duas hipóteses distantes da realidade:
execução a mando da facção rival e crime passional, por conta da enorme
quantidade de amantes, mulheres e prostitutas que o marginal financiava.
Descobriram até um esquema no qual ele agenciava modelos e trabalhava como
mediador e cafetão pra elas, facilitando os programas das mulheres e ganhando
uma porcentagem do valor que elas faziam. Quanto mais notícias saíam na mídia a
respeito das investigações, mais Abner tentava se convencer de que dar um fim
ao Matão foi a melhor atitude. No entanto, ao mesmo tempo ele se culpava,
porque, querendo ou não, foi graças à morte do Caixa Alta que Lelé acabou se
tornando o novo dono do Morro do Paraíso. Em outras palavras, seu melhor amigo
foi automaticamente recrutado pra vida do crime que o próprio Bezinho prometeu
à mãe não se juntar. Ao mesmo tempo em que todas essas coisas aconteciam, a
coroa adoeceu e isso fez Abner trabalhar o triplo do normal pra pagar o
tratamento dela. Quando finalmente juntou o dinheiro pra comprar um dos
remédios principais pra tratar a mãe, o pivetão foi assaltado na porta da
farmácia. Tomado em fúria, ele não desistiu e tratou de correr atrás do
trombadinha que o roubou.
- VOLTA AQUI, ARROMBADO! ESSE DINHEIRO É MEU, SEU BANDIDINHO DO
CARALHO! ALGUÉM PARA ESSE DESGRAÇADO AÍ, PORRA!
Atlético e cada vez mais forte devido à capoeira, Bezinho pulou
e desviou de muitos obstáculos, cortou caminho por uma rua do Centro, onde
trabalhava, e deu de cara com a polícia. Atrás da viatura, o pivete com seu
dinheiro passou voado, mas os agentes não viram, viram apenas Abner correndo
afobado e gritando.
- PEGA ELE ALI, Ó! LÁ TRÁS, POLÍCIA, LÁ TRÁS!
Apontou, se esgoelou, mas não adiantou de nada, os caras não
ouviram. Pelo contrário, o mundo pode ser uma tormenta sem fim, um inferno
inimaginável. Pior do que ser assaltado e perder três meses de salário na porta
da farmácia é fazer parte de um país com passado escravocrata e instituições
corrompidas pelo racismo estrutural, Bezinho entendia isso na pele. Os
policiais renderam Abner e tentaram algemá-lo, dizendo que ele tinha que se
acalmar e dar explicações do porquê estava correndo tão nervoso. Sim, dar
explicações algemado. Um dos agentes, inclusive, tentou segurá-lo pelo pescoço
e isso despertou muitos gatilhos na mente do negão. Foi aí que ele instintivamente
se lembrou de um fato muito simples: era capoeirista sagaz, indomável por
natureza.
- Nem fodendo que eu vou com vocês!
Antes que qualquer um dos PMs pudesse pegar uma arma, Abner
derrubou o primeiro, bandou o segundo e deu uma cabeçada no terceiro, tudo isso
com muita ginga e uma das mãos presas na algema. Depois ele correu pra um beco
lateral, desses cheios de lojas no Centro do Rio, desviou por trás do
Sambódromo e escondeu as mãos nos bolsos da calça, na tentativa de disfarçar a
algema. Entrou no primeiro ônibus que viu, pagou a passagem e, com o coração
acelerado, teve que descer no Aterro do Flamengo, bem longe de casa. No fim da
noite, depois de pegar outra condução e se livrar da algema presa no pulso, eis
que Bezinho finalmente sentou na laje do barraco, exausto, respirou fundo e
encarou o céu negro e azulado da noite quente. Sem dinheiro pro remédio da mãe
e nem pro baseadinho de sempre, agora era só ele e a tristeza suburbana da
falta de grana. Até que...
- Psiu! Coé, maluco? Tá aí?
Lelé apareceu na hora certa, como sempre. Subiu na laje, levou
maconha e eles fumaram, deixando o melhor amigo finalmente relaxado da pressão
do dia a dia. Depois da breve conversa que tiveram, eis que novamente o novo
dono do morro insistiu no pedido que fez anteriormente.
- E aí, como é que tá a vida de novo gerente do Paraíso?
- Tá tudo suave, Bezinho. Geral do Complexo me conhece, conheceu
meu pai. Ninguém quer arrumar guerra comigo, sabe qual é? E tá dando um lucro,
só saber mexer com dinheiro... – parou, viu o rosto do colega admirando o
escuro das janelas do universo e fez a pergunta pela segunda vez na vida. – Tem
certeza que tu não quer assumir isso tudo junto comigo, meu cria?
Uma pequena pausa e o assunto prosseguiu.
- Tenho, Lelé. Não posso. Prometi pra minha mãe que não ia cair nisso,
tá ligado? E eu tenho que pagar o tratamento dela.
Por hora, paciência, dinheiro e fumar um baseadinho antes de
dormir eram as únicas coisas das quais Abner precisava naquela noite incomum.
Mas talvez não fosse a noite, talvez fosse a vida mesmo, que não era fácil,
além de ficar muito confusa às vezes.
Quanto mais o garotão se empenhava em
alcançar seus objetivos, mais as circunstâncias pareciam não contribuir pra
isso. Após o roubo do dinheiro que era pra comprar o remédio da mãe, Bezinho
foi demitido do emprego, sob a alegação de que o patrão queria reduzir os custos
da empresa. A falta de trabalho foi o começo de um período terrível em sua vida:
a crise econômica assolou o nego por mais de dois meses, fazendo ele se
perguntar por diversas vezes se não era melhor se juntar a Lelé e pagar o
quanto antes pelo tratamento da mãe. Sem saídas e com a cabeça quente, Abner
passou a vender balas e doces nos sinais do Centro da cidade, porém foi perseguido
pela guarda municipal, perdeu mercadoria e apanhou duas vezes, mesmo tendo
mostrado as notas fiscais de tudo que comprou e vendeu. Voltou pro Morro do
Paraíso puto, resistiu que nem pedra e tentou de novo. Dessa vez, ele arranjou
uma bicicleta velha, virou entregador de aplicativo e se descobriu o mais
rápido dentre todos. Também descobriu que era capaz de estilhaçar a testa de
outro homem no chão de um condomínio de luxo, quando foi chamado de “babuíno
sujo” por um cliente playboyzinho e o sangue ferveu nas veias. Consequência: Bezinho
foi processado e perdeu o pouco dinheiro que havia juntado. Porém o estrago
principal já havia sido feito: sua cabeça não estava mais no mesmo lugar onde
costumava ficar. A forma de ver, de processar, de responder e encarar o mundo,
tudo isso começou a sair dos eixos morais e éticos do cria do Paraíso.
Em sua terceira tentativa de fazer a
diferença, Abner trabalhou na chapa de um podrão na própria comunidade onde
morava. No começo até deu certo, mas no fim do segundo mês, quando ele
finalmente reuniu o dinheiro necessário para o tratamento das pernas da mãe, um
fato inimaginável o atropelou: uma metástase nos rins da coroa, já se
espalhando pela coluna e paralisando o corpo da mulher cada vez mais rápido.
Após a descoberta do câncer, eles mal tiveram tempo de se preparar para o que
viria a seguir, porque um processo complexo como a metástase não espera.
- “Quando isso acontecer, Abner... Quando eu for... Você se
cuida, tá, meu filho? Vê se não chega muito tarde em casa, se come direito.
Dorme mais, fuma menos desse negócio. Toma muito cuidado com os seus caminhos.
Eu tô sempre contigo, tá bom?”
A reviravolta principal de Abner talvez tenha sido nesse dia, no
momento do enterro de sua mãe. Ver o caixão sendo colocado debaixo da terra
mexeu com sua cabeça, foi quase como se todas as expectativas tivessem sido
enterradas junto com ela. Coincidentemente, esse dia e essa cena também
representaram o começo da era de prata do próprio Morro do Paraíso, servindo
como exemplo perfeito para mostrar em qual momento histórico a favela se
encontrava. Afinal de contas, abraçado a Bezinho e disfarçado no meio de todas
aquelas pessoas, estava o único que nunca saiu do lado do melhor amigo. Lelé,
atual dono do Morro do Paraíso, tava ali por ele, todo de preto, óculos
escuros, prestando condolências e sendo o que sempre foi para aquele homem perdido
no choro. Um traficante chefe de boca de fumo, disfarçado num enterro,
consolando o amigo, e talvez nenhuma força policial tenha ficado sabendo disso.
No fim da tarde, eles retornaram pro morro, em silêncio, com Lelé respeitando o
espaço e o tempo de Abner. Sem tirarem as roupas formais e escuras, subiram na
laje e ficaram de pé, vendo o sol se pôr e a noite cobrir a divisa da favela
com o horizonte infinito.
- .... – só a pausa entre eles.
Um encostado no muro, o outro de costas, mirado no sentido poente.
Daqueles preciosos momentos em que o silêncio entrega tudo que as pessoas estão
dizendo, berrando, gritando em suas mentes. Um momento de mentes se
cumprimentando, se encontrando. Quando Lelé pensou em dar o primeiro passo,
Bezinho finalmente deu as primeiras palavras.
- Quando a gente começa, Leonardo? – os olhos cheios d’água, a
voz embargada de emoção. – Só me diz... Quando?
Outra pausa brusca.
- ... Abner... Tem certeza disso, cria? Ainda dá pra escolher...
- Eu tenho que fazer alguma parada com tudo isso que eu tô
sentindo, não tenho?
Eles já eram adultos há muito tempo. A vida só foi feita de
certezas, até então. Silêncio. Não precisava de respostas, só do cenário
escurecendo e os dois à penumbra da noite profunda do subúrbio quente. A morte
da mãe representou o começo de um novo período da vida de Bezinho: o de
parceiro e braço direito do dono do Paraíso.
A “nova antiga” dupla inseparável: Lelé e
Pequeno, conhecidos de cabo a rabo no Complexo do Céu na Terra. Apesar da
posição que passou a ocupar no comando da favela, Abner levou longos meses até
se ver velado da presença da mãe em seu cotidiano. Nesse aspecto, seu melhor
amigo foi o principal agente a ajuda-lo e apoiá-lo no processo de luto, sempre
estendendo o ombro ou o copo quando era preciso. As semanas foram passando, o
contato entre eles se tornou diário e as novas rotinas da vida de
“administrador clandestino e marginal” do morro foram tomando conta da mente de
Bezinho. Detalhe importante: acostumá-lo com a ideia de que era “bandido” foi
uma tarefa BASTANTE difícil para Lelé.
- Para de babaquice, Abner! Tu tá ligado que isso daqui é pra
tua segurança, não tá?! – o dono do Paraíso insistiu, fazendo de tudo pra
vestir o colete à prova de balas no corpo do colega. – Quero tu vivo, cria! Já
pensou!? Melhor nem pensar, né? Então anda com essa porra e veste logo isso!
- Já te dei o papo que eu não vou trocar tiro com ninguém, Lelé!
Que insistência do caralho, ein, doidão!? Porra!
- Não é papo de trocar tiro, é papo de precaução, ô arrombado!
Cala a boca e me ajuda a vestir essa porra!
Problema mesmo foi quando, mantendo o argumento da proteção,
Lelé pegou uma pistola e colocou pendurada na cintura exposta de Bezinho,
deixando o negão ainda mais nervoso do que já estava com o colete.
- Tu tá maluco, Leonardo!? Já falei que não vou andar com nada
disso, doidão! Só tô entrando nessa parada porque prometi que ia cuidar de tu,
caralho!
- Se tu quer cuidar de mim, então tem que ter condição e
ferramenta pra isso, né não, cria?! Fala tu?! – carismático como sempre, Lelé
passou a mão no rosto bruto do melhor amigo e deu um beijo fraterno na bochecha
fina. – Agora sim tu tá nos trinques pra andar comigo! Hehehehehe! Pai tá um
nojo, fala?!
Colocou a arma na cintura dele, subiu na moto e chamou Abner
apenas com um movimento de cabeça, sorrindo e mostrando a icônica covinha.
Ninguém, nenhuma outra pessoa em toda a extensão do Complexo do Céu na Terra
conseguia fazer dentro da cabeça daquele negão o que Leonardo “Lelé”, o dono do
Morro do Paraíso, era capaz de fazer. Ninguém.
- Brota na garupa do pai, vem, Bezinho! – ele chamou, ciente de que
não tinha como ouvir não do amigo de sempre. – Bora! Confia no pai, cria. Só
vem!
Armado e de colete, Abner até tentou, mas não conseguiu conter o
riso natural que floresceu em seu rosto assustado, um tanto quanto admirado.
Era o fim de tarde ideal na favela, perfeito pra andar de moto pra cima e pra
baixo pelas ruas e vielas, montado na garupa de alguém que ele admirava,
respeitava e de quem gostava bastante. Os vários anos da era de prata da dupla
inseparável de amigos traficantes foi assim, cuidando da comunidade, fumando,
fazendo tudo sempre juntos. O divertido era vê-los gerenciando os negócios da
boca de fumo e ao mesmo tempo realizando outras tarefas comuns, tipo jogando
bola, competindo em algum fliperama da favela, tomando cerveja, organizando
churrasco, banho de piscina e tudo mais. Além dos prazeres, Abner e Leonardo se
dedicaram ao sério: em poucos anos, eles providenciaram obras de infraestrutura
da favela, melhoraram a situação do saneamento básico dos moradores e fundaram até
uma associação, para que o povo pudesse se organizar e divulgar trabalhos,
serviços, eventos, estabelecimentos, rodas de capoeira, de rima, de cinema, de
passinho, de tudo.
O excesso de tempo juntos trouxe uma
consequência inevitável pra Bezinho. Aos poucos, em cada pequena atividade e
tarefa do dia a dia, ele percebeu que estava muito atento a tudo em sua volta,
incluindo à presença carismática do melhor amigo, Lelé. Mais do que isso, Abner
estava realmente sentindo alguma coisa forte dentro de si, algo que
necessariamente se ligava ao dono do Morro do Paraíso e à promessa de sempre o
proteger, de sempre cuidar dele. Tava acontecendo um apego, um carinho, um
cuidado acima do normal. A princípio, sensações e atitudes que o próprio
Bezinho tentou ignorar e fingir que não estavam acontecendo, mas ele fez isso
sabendo que poderia enganar todo mundo, exceto a si mesmo. De repente, de uma
hora pra outra, sua tarefa preferida passou a ser observar Leonardo em tudo que
fazia, e isso requeria estar perto a todo momento, sempre vigilante, atento a
qualquer coisa.
- Qual foi, cria? – o próprio gerente da comunidade não se
aguentou e perguntou uma vez. – Tá me olhando muito, tô ficando escaldado já.
Tá pensando que eu sou alemão? Hehehehe...
O negão não soube onde esconder o rosto, porém se manteve firme,
fiel aos seus sentimentos e agora tentando não se sabotar, não se ignorar,
mesmo não sabendo exatamente o que fazer.
- Não prometi que ia cuidar de tu? Tô cumprindo, pô! Melhor que
eu, só um sistema de câmera de vigilância, meu parceiro! Hehehhe, tô de olho em
tudo, tudo, tudo!
Abner reparava tanto em Lelé, que um dia ele sem querer se deu
conta de algo fora do comum e um tanto quanto inusitado. Normalmente era ele
quem ficava sabendo primeiro de qualquer maluco que quisesse entrar pra boca de
fumo do Morro do Paraíso. Mas ali, andando de moto na garupa do dono do morro,
estava alguém que Bezinho nunca havia visto antes, um homem com feições
totalmente diferentes, inéditas.
- Aí, doidão. Passa um rádio pro Lelé e manda ele encostar
agora, que eu quero bater um lero com ele. – Abner avisou ao radinho.
- Tem certeza, Pequeno?
- Eu só tenho certeza, maluco! Passa o rádio aí e vai
encostando.
O colega de facção obedeceu, mandou no radinho e em menos de um
minuto todos eles estavam encostando as motos numa viela lateral da comunidade,
escondidos entre becos bem apertados.
- Qual foi, cria!? – Lelé quis saber. – O que tá pegando?! Deu
algum caô?
- Deu, claro que deu!
Sem nem pensar duas vezes, Bezinho, mais forte e com o corpo bem
mais desenvolvido, atravessou a mão no ombro do tal homem que estava em dupla
com Lelé, cercou ele abruptamente contra o muro da ruela e armou a cara de mau,
que só fazia quando estava muito convencido de alguma coisa.
- Quem é tu, doidão!? Da onde que tu veio, que eu nunca vi tu
andando por aqui?!
- Bezinho!? Tá doido, mano!? – o dono do morro foi logo tentando
dialogar, nervoso por ver seu melhor amigo apontando a arma na direção do
vapor. – Ele chegou anteontem, porra, tu não tava aqui!
- Eu tô sempre por aqui e nunca vi os cornos desse puto, Lelé!
De tão acuado, o cara começou a tremer das pernas, tendo que
lidar com um negão capoeirista o segurando pela gola da blusa e o mantendo
pressionado contra um muro de cimento da comunidade.
- Segura a onda, cria! Todo mundo pra tu é filho da puta. O cara
entrou agora, tá só tentando ganhar a vida, que nem tu!
Ser comparado não era a praia de Abner, nunca foi. Diante dessa
reação inesperada do melhor amigo, o negão simplesmente tirou as mãos da gola
da blusa do vapor, bufou e desfez a pose de imponência. Mas não ficou ali, só
virou as costas e começou a ir embora.
- Tu vai aonde, o maluco!? Eu já dei o papo que preciso de tu
aqui, Abner! Vai pra onde, porra!?
- Não vou discutir contigo, Lelé.
- Abner?! – ele gritou, mas não teve jeito, o amigo sumiu no fim
do beco.
Desistente, o carismático chefe da comunidade pôs a mão no ombro
do vapor assustado e tentou consolá-lo brevemente.
- Tá de boa, cria. Ele é estourado assim mesmo, depois dou um
papo nele. Fica mec.
Por infortúnio dos caminhos do destino, Leonardo “Lelé” tinha em
mente que todo mundo no Complexo do Céu na Terra conhecera seu pai e também o
conhecia. Tecnicamente, ele não estava errado. O problema era presumir que esse
seria motivo suficiente para que ninguém nunca tentasse nada contra sua integridade
física, principalmente ele sendo o atual dono do Morro do Paraíso,
historicamente rival da Favela do Éden. Sempre existia alguém tentando alguma
coisa naquelas fronteiras. Sempre. E foi por isso que, quando Lelé menos
esperou, o vapor que ele defendeu da desconfiança de seu melhor amigo levantou
a arma, apontou por trás de sua cabeça e engatilhou o cão da pistola.
- Hoje tu perdeu, paizão! Nem tenta, só perdeu!
- Perdi?! Que isso, irmão!?
- Irmão é o caralho, agora tu vai ter o que tu merece, otário!
- “BUUM!”
Barulho de arma de fogo, vários pássaros assustados, levantando
voo das redondezas, e um corpo caindo lentamente no chão. Mais infortúnio do
que o próprio destino, somente aquele negão de quase dois metros de altura. Sagaz,
esperto e atento a todos os detalhes, esse era Bezinho. O vapor que tentou
matar Lelé despencou sem vida no chão, deixando o gerente do tráfico local de
olhos arregalados. Do beco lateral, Abner saiu andando tranquilamente, com cara
de puto, descendo a mão armada e tentando esconder o revólver quente atrás do
próprio corpo.
- Eita, porra! No início tu não queria usar arma, agora já tá
com a mira afiada! Salvou minha vida, seu filho da puta! Tá vendo só porque tu
não pode sair do meu lado?!
- Sabe o que eu acho? – ele apontou no rosto debochado do colega
sorridente. – Que tu tem que tomar vergonha e começar a escolher melhor os teus
seguranças, doidão.
Enquanto um ficou rindo, o outro se manteve sério e ambos foram
andando juntos na mesma direção, lado a lado, deixando o cadáver do sujeito pra
trás, sangrando no chão da viela estreita.
Apesar de estar sempre ao lado do melhor
amigo e de protege-lo quase que integralmente, algumas situações começaram a
conflitar incessantemente na mente de Abner à medida em que sua relação com
Lelé foi se tornando intensa e profunda. Nutrindo um forte sentimento de
admiração e também de proteção, Bezinho não conseguia entender, por exemplo,
quando seu melhor amigo aparecia envolvido com alguma mulher da comunidade.
- Tu não acha que tá passando muito tempo de bobeira, não,
doidão?
- Ah, qual foi, meu cria? Eu passo a maior parte do tempo na
boca, tu vive dizendo que eu tenho que dar uma relaxada de vez em quando. –
Lelé se explicou. – Agora vai encrencar toda vez que eu for na casa da mina, é?
Essa tensão entre querer proteger e ao mesmo tempo ter Leonardo
ao seu lado fez o negão se sentir bastante na corda bamba, ainda sem saber o
que fazer com tantas sensações e sentimentos difíceis de carregar dentro do
peito. Tudo isso veio à tona numa madrugada de baile, na qual, bêbado, o dono
do Paraíso puxou Abner pelo pescoço, deu-lhe um beijo fraterno no rosto e pediu
um conselho.
- Coé, cria, eu acho que tô começando a curtir de verdade aquela
mina. O que tu acha que eu faço, dá o papo?
- Eu acho que tu tá viajando, doidão!
- De novo isso, cria? Porra, tu não dá um tempo mesmo na
implicância, ein? Tá que pariu!
Apesar da noite seguindo sem problemas, Bezinho se viu cada vez
mais bêbado e de olhos no melhor amigo, não sabendo lidar com a mistura dessas
duas circunstâncias acontecendo ao mesmo tempo.
- A mina cismou que quer foder comigo de novo hoje à noite,
mano! E agora?
No momento exato em que o colega apoiou em seu ombro e voltou
naquele assunto, a consciência, o ciúme e o porte de arma se perderam na cabeça
do negão, fazendo seu sangue ferver.
- Tu vai insistir nesse papo dessa mina, maluco?!
- Qual foi? Não tô te entendendo, Abner. Tu tá com ciúme, é, seu
comédia?!
Eles se encararam e, pela primeira vez na vida dos dois, Bezinho
encheu o peitoral de ar e se viu rivalizando com aquele que era seu primeiro
melhor amigo. Mas o momento durou pouco, logo ele abaixou a cabeça e respirou
fundo, se arrependendo da atitude.
- Foi mal, eu tô um pouco bêbado e...
- Acho melhor tu ir pra casa, isso sim! E na boa, melhor se
acostumar com a ideia de que logo, logo eu tô casado e tu ainda vai ser o
padrinho, tá ligado?
Escutando essa frase e a piadinha em tom de deboche, o negão
sentiu o sangue fervendo, junto com todos os outros sentimentos aflorados
presentes em seu corpo naquele instante, incluindo o álcool se espalhando por
toda a corrente sanguínea. Bezinho fechou os olhos, apertou as mãos e, por um
breve momento, quis reagir violenta e impulsivamente, como se dar vários tiros
pro alto fosse ajudar a descarregar o turbilhão de emoções que estava sentindo.
O ciúme bateu forte, quase como uma avalanche, se misturando com a bebida e
resultando na mão trêmula de um Abner hesitante, um Abner errante e ressentido.
Um Abner que pôs os dedos no revólver na cintura e parou de se mexer, pensando
duas, três, quatro, cinco vezes antes de agir. Tarde demais: Lelé viu a cena e ficou
paralisado.
- Por acaso... Tu vai sacar essa arma pra mim, Abner?
Ao ouvirem a pergunta feita pelo dono do morro, quase todos os
outros traficantes que estavam ao redor deles sacaram suas armas, tudo ao mesmo
tempo, e apontaram na mesma direção: a cabeça de Bezinho. Esse foi um momento
crucial, porque ninguém ali imaginou que aquela situação poderia acontecer tão repentinamente,
e de uma maneira tão crucial, tão brusca.
- CÊS TÃO MALUCO?! Abaixa essa porra geral! – Lelé deu a ordem
em alto e bom tom, totalmente indignado pela reação de defesa dos outros
homens. – Anda logo, caralho! Eu tô mandando! Perderam a cabeça?! ABAIXA!
- Mas ele ia sacar a arma pra tu, chef-
- E daí?! Ele é meu irmão, porra! A gente é nascido e criado
junto, problema nosso os outros não têm que se meter, escutaram?! Caralho!
Lentamente, um a um foi abaixando a arma, porém nenhum deles
saiu da posição de atenção constante. Dificilmente qualquer um daqueles caras
se imaginou chegando naquele ponto antes, já que todo mundo por ali sabia que
Abner e Lelé eram tipo carne e unha, de tão colados. Mas ainda assim era papel
dos seguranças do morro guardar as costas do dono do lugar, por isso todos
reagiram.
- Tu deve ser um maluco muito otário pra pensar em apontar a
arma pro cara mais gente boa dessa favela, não é, não, seu moleque atrevido?! –
um dos traficantes chamou a atenção de Bezinho.
- Deixa ele, porra! – Leonardo insistiu. – Já falei que com ele
eu me entendo, não quero ninguém falando merda nenhuma.
Nessa madrugada, pra sair do baile, o dono da boca puxou seu
amigo pelo braço e o conduziu até à saída, indo junto com ele pela parte
traseira da quadra do morro, tentando não chamar a atenção de mais ninguém.
Juntos, Lelé levou um Abner cabisbaixo e bêbado na garupa da moto, até que eles
chegaram na mesma laje de sempre. O mesmíssimo templo onde fumavam desde muitos
anos, desabafavam sobre a vida, admiravam o entardecer e se comunicavam em
silêncio.
- Foi mal, doidão. – o negão tentou dizer. – Eu acho que eu tô
um pouco...
- Shh, relaxa, cria. Tu tá ligado que não tem que se explicar
pra mim.
- Eu preciso...
- Não, não precisa. Pra mim tu nunca precisou.
O chefe do Paraíso passou o braço pelos ombros do melhor amigo,
sentiu a cabeça dele apoiando em seu ombro e eles ficaram lado a lado, virados
na mesma direção e se escorando um no outro. Com a mão livre, Lelé alisou a
face bruta de Abner e deitou a cabeça do parceiro em seu colo. Carregado de
sensações e arrependido do que fez minutos atrás, Abner deixou os olhos cheios
d’água liberarem um pouco da tensão, ficando emocionalmente despido na frente
do amigo. Eles passaram o resto da madrugada em completo silêncio, só
desfrutando da companhia um do outro e da passagem do tempo. Perto de
amanhecer, os dois foram pra cama e Bezinho dormiu com as mãos rústicas do colega
fazendo carinho em seu cabelo, além do corpo de Leonardo esquentando o seu. Os
mesmos dedos que calibravam armas, enrolavam trouxinhas de droga e bolavam
baseados, caíram no sono enquanto se perdiam e se encontravam no couro cabeludo
de um Abner tentando se entregar cada vez mais, apesar da enorme dificuldade em
ser sincero e aberto.
Essa madrugada
representou uma bifurcação na vida de Bezinho: por um lado, ele teve mais
abertura com a pessoa que amava; por outro, sua atitude no baile o transformou
numa persona non grata, alguém em quem os moradores do Paraíso passaram
a não confiar, uma vez que pensaram que ele teria coragem suficiente de
levantar a arma para o chefe Lelé. O próprio dono do morro passou a escutar
diversos comentários sobre a atitude perigosa de seu melhor amigo para consigo,
tendo que virar um defensor de Abner, na esperança de limpar o nome dele da
boca do povo. Mas era inútil, nem mesmo o chefe da favela conseguiria diminuir sua
própria fama, seu próprio carisma, ao ponto de convencer as outras pessoas de
que o que elas viram não foi uma ameaça contra si. A consequência inevitável
foi que todo mundo passou a olhar torto e de cara feia para Bezinho, mas ele
aceitava aquele comportamento, afinal de contas, reconhecia seu erro mais do
que ninguém.
Os meses foram passando, pouca coisa foi
melhorando, porém o contato entre os amigos se manteve inabalável, como sempre
foi. Até que chegou o aniversário de 26 anos de Leonardo, talvez o dia mais
importante do Morro do Paraíso, assim como da relação da dupla inseparável. O
evento de comemoração encheu o baile com mais de três mil pessoas ao mesmo
tempo, de tão popular que o chefe do morro se tornou. Lelé era tão querido, tão
amado, que juntou todas as tribos do Complexo do Céu na Terra em sua festa de
aniversário. Tão gente fina, que conseguiu reunir os bandidos, a rapaziada
black, a comunidade crente, a galera do samba, os cocotas e o Abner, que nunca
tinha dançado na vida e agora era mal visto pelos outros. Por falar no Bezinho,
enquanto todo mundo se divertia, dançava e conversava com Lelé, o negão
preferiu encher a cara num boteco do lado de fora do baile, pra não se misturar
e continuar ouvindo piadinha dos outros traficantes do comando. Foi aí que ele
escutou a voz familiar conversando perto dali.
- Menina, não tão sabendo da festa no baile hoje, não? É
aniversário do Lelé, mas ele também tá pra anunciar a aposentadoria.
- Aposentadoria, mona? – uma das moças perguntou à amiga.
- É! Ele vai ralar da vida do crime, eu não contei pra vocês?
Abner olhou pro lado e viu a mesma mulher com quem transou antes
de matar o primeiro homem na vida. A mesmíssima mulher que desapareceu
misteriosamente e só deixou o próprio marido corno dentro do quarto do motel,
enquanto Bezinho dormia inocentemente. Quem sabe o que poderia ter acontecido
naquele dia se ele não tivesse acordado há tempo? Mais importante do que isso,
quem sabe o que aconteceria no presente, assim que ele ouviu a viúva do Caixa
Alta dizendo aquelas coisas sobre Lelé? Abner foi tirar satisfação na mesma
hora. Entrou no baile a passos largos, localizou o amigo no canto e só o
cutucou pelo ombro.
- Ô neguinho, que porra é essa de aposentadoria?! Deu pra
cheirar pó agora, é, filha da puta!? – teve que gritar no ouvido do parceiro,
de tão alto o funk nas caixas de som próximas. – Tá doidão, ô seu arrombado?!
Com a orelha perto da boca do colega, Lelé fez uma cara de
desentendido, reclamou do barulho alto e chamou Bezinho mais pra perto do meio
do baile, bem onde estava cheio de gente. Assim que chegaram lá, ele segurou o
melhor amigo pelos ombros, deu um empurrãozinho de leve e o pôs a dançar no
ritmo da música.
- Tá falando sério, porra?! Eu venho aqui tirar satisfação do bagulho
importante e tu me tira pra dançar, doidão?! Puta que pariu!
- Não consigo ouvir, tá mó barulheira! Bota fogo nesse chão,
porra!
O chefe da favela pisou no pé do negão de propósito, depois o puxou
novamente pelas mãos e tornou a colocá-lo na mesma dança, fazendo passinhos de
funk e se divertindo com a cara de perdido. Abner ficou puto, até quis gritar
novamente, mas de nada adiantaria. Vendo o parceiro se perdendo de dançar, ele
olhou para um lado, olhou pro outro e não soube bem o que fazer. Aí Lelé
esbarrou bruto e o puxou, obrigando a dançar. Os movimentos foram saindo
aleatoriamente, com os braços de um jeito e o quadril de outro. Aos poucos, a
dupla foi entrando na mesma coreografia fácil de funk acelerado, típico
carioca, e logo o calor foi crescendo, junto com o suor escorrendo. Pra quem
não sabia nada de dança, até que Bezinho seguiu exatamente conforme a música,
talvez porque pra ele fosse fácil decorar qualquer coisa referente a Leonardo.
O tempo que ficaram dançando foi onde tiveram harmonia e paz, há que se dizer.
Depois que se acabou, Abner ficou ensopado de
suor e foi tomar ar do lado de fora da quadra, nem lembrando do que tinha ido
fazer do lado de dentro, de tanto que se divertiu. Entre os risos, ele voltou
ao bar, pediu mais bebida e não viu a morena de antes, a mesma que conversava
com as amigas minutos atrás e que o fez entrar pra tirar satisfação com Lelé.
Recobrando a memória, eis que ele decidiu retornar à quadra e procurar seu
parceiro, na intenção de tirar a limpo aquela história de antes. A próxima
coisa que Bezinho viu assim que entrou no baile foi Leonardo e a viúva do Matão
da Caixa Alta se beijando num canto.
- “BUUM, BUUM!”
Todo mundo começou a correr de repente, incluindo a morena que
tava se pegando com o dono da boca de fumo. Mesmo os traficantes ali próximos
se afastaram e começaram a correr, sem entender o que tinha acontecido e do que
se tratavam aqueles tiros. Parado e com a mão pro alto, Abner pensou em
disparar o terceiro, mas só aqueles dois já foram suficientes para esvaziar a
quadra em menos de um minuto, ficando só ele e Lelé. De costas, o chefe foi
virando devagar e caiu na risada.
- HAUHAUAHUHA! Eu sabia que isso ia acontecer, maluco! Puta que
pariu, só rindo mesmo. Hehehehehe! Tu gosta, né? É bom pra ver que a galera
ainda bota moral na tua atitude, fala tu?
Só a dupla inseparável de amigos no baile funk, que continuou
com os efeitos de som e de luz ativados, ou seja, o grave tocando alto e os
flashes luminosos se mexendo no ambiente. Havia um curto espaço livre entre os
amigos se encarando, um com a mão pro alto, segurando a arma, e o outro rindo.
Descontraído e à vontade, Leonardo ignorou a reação violenta do parceiro e foi
andando na direção dele.
- Mas tu tem que relaxar, Abner. – falou e o abraçou. – Tem que
ficar mais de boa, senão os outros vão ter medo de tu, tá ligado?
Que nem da outra vez, Lelé montou na moto e pôs o amigo na
garupa. Mas, diferentemente de antes, agora eles não foram pra laje onde
costumavam ficar. O dono do Morro do Paraíso levou seu melhor amigo pra outro
lugar da comunidade, uma região responsável por dar nome àquela favela: o topo.
Lá no cume da colina que dava vida ao morro, a impressão era a de que eles
estavam até mais perto do céu que tanto contemplavam no fim de tarde, junto das
estrelas. Dava pra ver todo o Complexo dali, com o ar sendo até mais frio de se
respirar.
- Caralho, como é que eu nunca brotei daqui, doidão?!
- Aqui é a área vip da favela, cria. Hehehehe! Não é geral que
tá ligado.
Só eles e a luz da lua chegando perto, com a música do baile
funk abandonado ainda ecoando próximo dali. No frio, Abner bateu os dentes,
tentou se aquecer na própria roupa e ficou vendo o amigo enrolando um baseado.
- Tá com frio?
- Porra, pra caralho! Tu não tá, não?!
- Não. Tô de boa. – olhou pro capoeirista, deu um riso, mostrou
a covinha e piscou o olho. – Tando contigo, tô sempre de boa.
Sem pressa, o chefe da boca de fumo tirou a própria jaqueta,
colocou ao redor dos ombros do melhor amigo e acendeu o baseado. Deu dois
puxões, acomodou o braço em volta do ombro de Bezinho e eles ficaram assim,
sentados num banco de cimento. Experiente em observar e saber todos os detalhes
em seu parceiro, Abner se distraiu e perdeu os olhos no rosto tranquilo e
sereno de Lelé. Leonardo, por sua vez, começou a fumar encarando o amigo,
revezando as tragadas com os sorrisos sinceros. E a covinha.
- Tu não perde essa mania de ficar me olhando, ein, cria?
Heheheehe...
Mas não teve resposta. E ele nem precisava, na realidade. Lelé colocou
a mão na lateral da face bruta do colega de comando, alisou e se aproximou pra
dar o beijo fraternal de sempre. Porém não foi no rosto, foi nos lábios
experientes do negão. Essa foi a primeira vez na vida que eles se beijaram e
sentiram o cheiro, o gosto, o hálito e a temperatura um do outro. Pele, língua,
boca, corpos. Os olhares se cruzaram, a dança virou literalmente a mesma e a
partir dali eles não se soltaram mais, entrelaçando os corpos, as mentes, e
entrando numa intensa sinergia sexual.
- Eu tava há mó tempão querendo fazer isso, fFFF!
- E porque não fez antes, cria? Ficou só na vontade, é? Hmmss!
Pela primeira vez à vontade com seus desejos, Abner se deixou
abrir e relaxou completamente ao toque convidativo, quente e doce de Leonardo,
que teve todo o cuidado de dar ao momento o tom caloroso que merecia. Com o
começo da penetração, os dedos de um atravessaram as costas do outro, os
músculos se contraíram e eles se conectaram fisicamente, de um jeito bastante
carnal, visceral, intenso. Suor, lambida, beijos, amassos, mão deslizando aqui,
dedos passando ali, as pernas cruzadas e os corpos transpirando o mesmo fluído,
o mesmo cheiro, exalando a mesma temperatura. Um sentado no colo do outro,
subindo e descendo, tendo as coxas puxadas, repuxadas, mexidas, remexidas, o
quadril empurrado e o encontro consumado aos poucos, bem lentamente.
- OrrssS! Continua, Leonard! Hmmsss!
- Tá gostoso, cria? AarsSS! – posicionado por baixo, o
carismático dono do morro mostrou sua cara deformada de prazer e perguntou no
pé do ouvido do parceiro. – Tá do jeito que tu queria, tá? Hmmfff!
- Seu filho da puta, tá é mó gostosinho! OihnnsS!
- Tu já teve assim com alguém antes, Abner? – os lábios do chefe
percorreram a pele do pescoço do amigo, os dentes entraram de leve na carne e
ambos sentiram o poderoso fogo da mordida, do consumo, da posse. – Arrff, hmmss!
O capoeirista quase se tremeu de nervoso, piscando a carne dos
lombos e agasalhando totalmente o membro massudo e comilão de Leonardo. A
sintonia das sensações causava a maior das sinestesias em ambos, principalmente
com a penetração acontecendo e eles se encarando olho no olho, um por dentro do
outro. De ver, de sentir, de ouvir, tudo ao mesmo tempo.
- Ninguém, Leonardo! – Bezinho respondeu. – É a primeira vez que
fazem isso comigo assim, seu puto! Continua, vai?! Isso, porra! HmmfSS!
- Assim? SSsS! – e dá-lhe cinturada sincera na traseira.
- Isso, filho da puta! Isso, porra! No bruto, vai?!
A entrega deles foi passionalmente brusca, acontecendo com um
encaixe integral entre ambos. Tão integral, que os braços do traficante se
envolveram no tronco do parceiro e eles encontraram ainda mais sinergia,
transformando a ardência em sensação de prazer. A partir daí, começaram as
cavalgadas bem estancadas de um quadril no lombo do outro, com o suor
escorrendo em volta e a união dos corpos formando uma ponte, uma conexão de
mundos. Aquela era a verdade de Abner: ninguém nunca havia explorado suas ruas
e vielas como aquele homem estava fazendo ali, atravessado em seu corpo e
vasculhando por todos os seus caminhos, todas as suas moradas. Olhos nos olhos,
boca na boca, as mãos e os dedos todos cruzados, e a dança da possessão, do
banquete carnal, acontecendo livremente, sem empecilhos.
- Assim, Abner?! OrsssS! Assim, meu cria!? Tô fazendo do jeito
que tu gosta, tô? Hmmmfff!
- Isso, Leonardo! Pode comer, doidão! OihnSS!
Dois universos do mesmo Complexo se encontrando, se reconhecendo
e descobrindo um novo mundo dentro um do outro. Literalmente. Bem no pico do
morro, aquele era o clímax da união entre duas histórias diferentes, de dois
homens deitados no sexo, se movimentando em comunhão e produzindo suor, atrito,
energia nova. Luz. A dupla inseparável agora se transformava no casal
impenetrável, ou ao menos era isso que estavam praticando naquele momento,
tentando incansavelmente. Todos os membros dos dois corpos estavam grudados,
desde os pés até às cabeças. O mesmo fluído físico, os mesmos pelos das pernas
suados e se esfregando, tudo pra intensificar o frenesi do encaixe, a poderosa
pressão sinestésica da paixão. Ninguém conseguia ver, mas o topo do Morro do
Paraíso estava em chamas, dando a impressão de que se tratava de um vulcão
carioca e suburbano, em plena erupção.
- FFff, vou gozar, Abner! SSsS!
- Goza comigo, doidão! Goza junto comigo, Leonardo! HmmfFF!
Aquela até poderia ser a era de prata na história da comunidade
do Paraíso, mas certamente, para Abner, era a sua própria era de ouro sendo
escrita em sua carne, de tão perdido e ao mesmo tempo encontrado que ele se
viu, sentando no colo do único homem que esteve ao seu lado desde sempre, em
todos os momentos de sua vida. E vice-versa. Juntos, Bezinho e Lelé fizeram
amor. Sim, amor! No meio do caos do subúrbio, que nem uma flor no meio do
asfalto bruto, fraturado e incandescente.
- OrrrSSS! Caralho, cria! FFFfF!
- Porra, Leonardo! Hmmmss!
Os corpos abraçados e deslizando no mesmo suor, assim como as
pernas suadas e os dois enroscados um no outro. As golfadas de prazer líquido
cresceram dentro da carne do negão, enquanto outros jatos de tesão bateram no
peito imponente do dono do morro, na maior sincronia e sinergia entre aquelas
forças. No fim da noite, Abner tava fazendo o que ele sempre quis fazer junto do
parceiro, desde que sentiu o coração cheio de sangue fervente e apaixonado pela
primeira vez: amor. Depois disso, eles permaneceram ali aninhados, ainda conectados,
encostados no banco de cimento, abraçados e olhando para o alto, admirando o
céu. Aquele era, literalmente, o verdadeiro céu do Paraíso.
- Aqui é bonito pra caralho, fala tu?
- Pra caralho, doidão! Literalmente o paraíso, tá ligado? – o
capoeirista apontou pro horizonte distante, absoluto e em diferentes tons de
escuro. – O que é que eu vejo? É o céu ou o mar, Leonardo? Ou... o Paraíso?
Mas, do pico do Morro do Paraíso, a dupla enxergou nitidamente o
mar de nuvens tempestuosas que se aproximava de longe. Eles estavam mais velhos
e mais experientes do que antigamente, então tinham um certo tempo pra se
preparar pra tudo. Ou pra quase tudo, porque nem todas as coisas eram fáceis de
serem previstas.
- Abner, eu tenho que te dar um papo. – um Leonardo sério
avisou.
A pausa dos mundos. A meteorologia paradisíaca pareceu perfeita
demais. A previsão do tempo agora mostrava um horizonte cheio de nuvens
tempestuosas se aproximando.
- Lembra da vez que tu disse que era observador... Que nem uma
câmera de vigilância? Então, eu acho que tem umas paradas que a gente não viu
chegando, tá ligado? Nem com câmera.
O clima no horizonte do Paraíso ficou diferente de um tal forma,
que nem mesmo o observador e atento Bezinho conseguiu prever.
- Eu tô... gostando de uma mina aí. A gente tá se gostando... e
eu tô me preparando pra cair fora, tá ligado?
As palavras saíram mais potentes do que os tiros de uma pistola,
e olha que de disparo de arma de fogo aqueles dois entendiam muito bem. No
fundo do horizonte distante, absoluto e escuro, os raios de luz surgiram como
fagulhas, um prelúdio da tempestade vulcânica prestes a acontecer no céu ou no
mar do Paraíso. Bezinho sentiu o coração esquentando, assim como sua corrente
sanguínea, e logo se lembrou das cenas que viu no baile funk.
- Tu não pode ir embora com essa mulher, não, doidão!
Faltou fôlego pra dizer tudo, quase que as palavras não saíram
da boca.
- Por que? Vou morar num sítio, fumar maconha o dia inteiro, tá
ligado? Escutar Criolo!
- Vai jogar fora tudo que nós conquistamo junto por causa dessa
piranha!?
- Né piranha não, Abner! Minha mulher, mano.
- Mulher é o caralho, essa mina é mó filha da puta!
- Tá vendo aí?! Todo mundo pra tu é filho da puta, mané, por
isso que eu tô indo embora! – nervoso, Lelé andou de um lado pro outro,
visivelmente incomodado. – Aí, me amarro na tua, não vou entrar em contradição
contigo, não, mano. Sou teu amigo pra caralho! Bota na tua cabeça que eu tô
indo embora, Abner.
Pausa.
- Gosto de tu pra caralho, Abner, mas não dá mais pra mim, não,
parceiro.
Não teve como o momento ser leve. Automaticamente, todas as
lembranças dos anos de convivência permearam a ponte entre eles. Na face bruta
do negão, as lágrimas começaram a escorrer em peso, o nervosismo foi se
espalhando em ondas e, no fundo da mente, ele escutou o barulho das primeiras
trovoadas se aproximando no céu, chegando em massas de ar carregadas de
energia. O que esperar do verão, afinal de contas?
- Tu não pode fazer isso comigo! Eu só entrei nessa parada de
bandidagem porque tu me chamou, agora tu quer sair!? E eu?! E a gente,
Leonardo!? E tudo que tamo fazendo aqui, porra!?
Tentando acalmar o parceiro, o dono do morro pôs as mãos no
rosto bruto de Abner e falou cara a cara, quase o beijando, de tão perto.
- Bezinho, abraça o papo. Eu tô em outro momento da vida agora, tá
ligado? Não quero morrer de repente, quero cuidar da minha família, da minha
filha que tá vindo aí, se ligou? Tem um monte de gente competente pra ficar no
meu lugar, tu devia era tá feliz por mim, porra! Não era teu sonho, me proteger
e me ver fora disso?!
Nada mais fazia sentido na cabeça de Abner. Tudo aquilo que ele
havia chamado de chão desde que perdeu a mãe agora estava se desfazendo, não
dando qualquer certeza ou estabilidade sobre o presente, muito menos a respeito
do futuro. Tempo, agora, simplesmente perdeu o sentido pra ele.
- A sua família sou eu, Lelé! Não acredito que tu vai me largar
por causa de buceta, doidão! Por causa de piranha?!
- Piranha não, maluco, a mina maneira, mó gente boa. Ficou
perdida depois que o marido morreu. É com ela que eu quero passar o resto da
minha vida, não aqui, vendendo papelote de droga e podendo ser morto a qualquer
momento, se ligou?!
Silêncio. Olhos nos olhos. Pausa. Ira. As segundas e terceiras
trovoadas explodiram nas nuvens acima deles. Estar no pico do Paraíso
significava ficar muito perto das estrelas e do céu noturno, mas ao mesmo tempo
também era receber as tempestades direto na cabeça, primeiro que todo mundo.
Diante da espera dos amigos, a primeira gota caiu, bem no meio da enorme
distância que agora separava a dupla inseparável. Como são as coisas, não?
- Se tu tá ralando, então... – a voz de Abner embargou. – Então
agora é tudo meu.
Sem dar um pio contra esse argumento, Lelé fez que sim com a
cabeça e concordou.
- É tudo teu. Já deixei o pessoal avisado, ninguém é maluco de
mexer contigo. Tu é meu protegido, meu fechamento. Meu cria.
Mas tudo era muito raso depois do que eles fizeram juntos.
Protegido talvez fosse antes, no começo, quando Bezinho ainda se sentia frágil,
não após a química, a física e a biologia que desenvolveram em sintonia. Não
depois da história que construíram juntos naquele lugar, naquelas ruas, becos e
vielas.
- Então, se é tudo meu, eu quero que tu meta o pé agora mesmo,
Leonardo! – as mãos fecharam, os pulsos enrijeceram e um ressentimento absurdo
tomou conta do negão. – Hoje! Agora! Eu quero que tu suma e não volte mais,
nunca mais!
Certeza nas palavras firmes, tensão entre eles, até que a última
sentença saiu, parecendo uma maldição de verão.
- É melhor tu desaparecer da minha vista, doidão, senão...
Pausa. O dono do morro olhou pra mão trêmula do parceiro,
lembrou que já havia passado por aquilo anteriormente, mas soube que não tinha
outra forma de dar a notícia. Ele, mais do que ninguém, conhecia Abner dos pés
à cabeça e tinha certeza de que a reação seria brusca e violenta em qualquer
hipótese.
- Senão... – Lelé insistiu, querendo saber o que vinha adiante.
- Senão... – o capoeirista colocou a mão na pistola e a sacou,
apontando na direção do peito do melhor amigo. – Senão eu faço tu sumir agora
mesmo, Leonardo! Mete o pé, porra! Some daqui!
O choro caindo incontrolavelmente, embargando sua voz e
dificultando ainda mais o entendimento entre eles. Bezinho tentando não
soluçar, mas era muito difícil controlar os próprios sentimentos,
principalmente naquelas condições anormais de temperatura e pressão. Devagar e
em silêncio, o dono da boca deu alguns passos à frente, sem medo, e caminhou na
direção da arma. Sorriu e mostrou as covinhas que todo mundo no Complexo do Céu
na Terra conhecia, carismático que só ele.
- E tu teria essa coragem, cria? – encostou com o peitoral
contra o cano da pistola, segurou as mãos trêmulas do parceiro e tornou a sorrir.
– Teria coragem de fazer comigo que nem tu fez com aquele monstro do Caixa Alta,
Abner?
Olhos nos olhos. A pele suada por cima da mão nervosa.
- Então eu quero ver. Atira em mim, meu cria. Atira bem no meu
coração, que é onde tu mora, seu arrombado! Atira, me mata e mata também tudo
que tá aí dentro, vai?
Um deles chorando e o outro rindo, esperando pelo que
aconteceria a seguir. Até que Bezinho tomou coragem, fechou os olhos e...
- “BUUM!” – o barulho do trovão explodiu nas nuvens acima deles.
Nada aconteceu. O tempo parou e ficou só a dupla inseparável se
olhando, desfrutando do doloroso processo de se separar, de fluir e de deixar
ir. Nunca foi tão difícil se livrar de um “in” e se enquadrar ao “separável”, e
quem dera essa fosse apenas uma questão de ortografia e escrita.
- Eu não atiraria em tu... Que nem eu fiz com o Matão, doidão.
Não atiraria, porque... Eu te amo pra caralho, tu tá ligado? Hahahahaha! – o
riso no meio da tristeza só denotou o quanto ele ficou quebrado por dentro. – E
daquele cachorro eu sentia raiva, ódio! Eu sei que te amo e tu tá indo embora
de mim. Isso... Isso dói, doidão!
Ouvindo toda a sinceridade presente em seu melhor amigo,
Leonardo esticou os braços e deu um último abraço em Abner, apertando o amante
contra o próprio corpo e o aconchegando em seu cheiro único. Ao fazer isso, pressionou
a mão no peito dele, por cima do coração, e falou no ouvido, igualmente
choroso.
- Enquanto tiver um canto pra mim aqui no Paraíso, eu prometo
que tô sempre por perto, pra tu cuidar de mim, meu cria. Tamo junto? – respirou
fundo, fechou os olhos e se despediu. – Tu tem razão. A favela é tua, então é
melhor eu me adiantar e meter o pé logo, que é pra não te deixar mais bolado, já
é? Se cuida, cria...
Os dois abraçados, com carinho no cabelo e pistola na mão. Era incrível
a habilidade que ambos tinham de desarmar um ao outro, por mais que fossem
traficantes de um comando organizado de uma comunidade do Rio de Janeiro. E
agora, toda essa habilidade simplesmente se via sem fim, dada a despedida. Em
movimentos rápidos, porém muito seguros, Lelé tirou a arma da cintura, o
colete, os anéis e cordões, e colocou tudo nas mãos do colega. Entregou também
a chave da moto e tentou fazer tudo isso sorrindo, apesar dos olhos parecendo
cachoeiras e da voz mega embargada.
Assim que o sorriso mais carismático do
Complexo sumiu na escuridão, duas tempestades desabaram: uma chamada chuva, que
desceu do céu, e outra chamada Abner, que caiu de joelhos no chão e deixou a
água tomar seu corpo choroso. Os céus desabaram, mas Bezinho permaneceu ali por
muito, muito tempo, tomando tempestade nas costas e deixando os olhos,
ironicamente secos, debaixo das péssimas condições meteorológicas do Rio de
Janeiro. Pancadas de chuva com probabilidades de coração estilhaçado no
subúrbio. Ficou ele chorando no chão, a água caindo e a música triste e
nostálgica do fim de baile rolando no fundo. O que doía mais talvez não fosse a
saída de Lelé da vida do crime, até porque, desde o começo esse era o sonho de
Abner: convencer seu melhor amigo a abandonar aquela ocupação perigosa. Até por
isso ele topou ser braço direito de Leonardo e nunca se viu sendo bandido como
os outros, quase como se só tivesse aceitado o convite pra poder ficar mais
fácil de cumprir com a promessa de cuidar do seu cria. A dor no peito destruído
de Bezinho era o eco daquela frase:
- “É com ela que eu quero passar o resto da minha vida, não
aqui.”
Horas após a rachadura no coração e o início da tempestade
pesada no Morro do Paraíso, eis que uma figura apareceu entre as trilhas que
levavam ao topo da colina e avistou o negão ajoelhado, imóvel no chão.
- Primo!? Pelo amor de Deus, cara! Tua tia tá até agora te
procurando, Abner, o que é que cê tá fazendo sozinho aqui?!
O sujeito acelerou o passo e foi correndo pra perto do
capoeirista.
- Misericórdia! Já te procuramo em tudo quanto foi beco da
comunidade, pensamo até que tinham te sequestrado lá pro Éden, poxa!
Todo cuidadoso sob a capa de chuva, o primo mais novo de Bezinho
de alguma forma sabia daquela área isolada no topo da favela e apareceu, já
perto do amanhecer. Preparado com uma toalha e guarda-chuva, ele se aproximou
do corpo entristecido do negão e o consolou, tentando procurar vida naquele par
de olhos escuros e ressecados.
- Ou?! Seja lá o que aconteceu contigo, reage, tá!? Não vou te
deixar caído aqui assim, não, pode ter certeza!
Com muita força e resistência, o primo tratou de botar Abner de
pé e o levou com o apoio do ombro até o barraco, tendo MUITA dificuldade nisso.
Ajudou a tomar banho, preparou um misto-quente pra ele e, pela primeira vez em
horas, Bezinho finalmente se sentiu com calor, confortavelmente seco e acolhido
debaixo do teto do parente. O edredom jogado ao redor de seu corpo enorme, ele
só com o rosto bruto de fora e todo bem cuidado pelo primo novinho.
- Eu...
Não soube nem como começar ou o que dizer. Pensou duas vezes,
achou melhor se fechar, porém tinha que falar qualquer coisa.
- Valeu, doidão. Ainda nem te agradeci.
- E nem tem que agradecer. Eu só quero saber o que diabos cê
tava fazendo debaixo daquela chuva até uma hora dessas, isso sim! Vai explicar
ou não? – com as mãos nas cadeiras, o novinho fez pose de marra e aguardou uma
resposta. – Quando minha mãe chegar, ela com certeza vai querer saber. Todo
mundo ficou preocupado contigo, Abner!
Bezinho hesitou por alguns segundos. Olhou pra baixo, viu as
próprias mãos marcadas e pensou mais um tempo.
- Eu... Briguei com um parceiro aí, porque ele tá metendo o pé
do morro. Foi isso.
Silêncio. Seu olhar estava diferente. Mais que nunca, existia
uma revolta muito natural e presente no ângulo de visão daquele homem, bem na
ponta dos olhos, dando uma tenacidade incomum ao seu jeito de olhar. Era quase
como se sua perspectiva para encarar e conceber o mundo estivesse totalmente mudada.
Até piscar os olhos Abner tava fazendo menos, agindo como se estivesse
compenetrado nas coisas que estavam em seu campo de visão. Resumindo, era um
vislumbre novo e... fixo.
- Certeza que foi só isso, primo? Cê tava caído no chão há muito
tempo, Abner. E esse ouro, essa arma... Sabe que minha mãe não vai gostar nada
disso, né?
Ele fez que sim com a cabeça, olhou praquelas joias e sentiu a
presença de Lelé ainda impressa nelas, assim como seu cheiro e seu perfume, por
mais que tivessem sido molhadas pela chuva. O primo sentou na sua frente, olhou
em seus olhos, mas o negão desviou o olhar, querendo não ser lido, tampouco
julgado.
- Eu não me importo com o que cê tá fazendo, contanto que não
teja machucando ninguém. Cê tá machucando alguém?
Abner fez que não com a cabeça. Machucar não era com ele, seu
objetivo sempre foi proteger, cuidar, zelar. Foi isso que sempre fez pela mãe,
foi isso que ele sempre fez pelo ex melhor amigo e era o que também fazia pelo
Morro do Paraíso.
- E nem tá se machucando, né, Abner? Por favor.
Aí ele parou e não respondeu nada.
- Bezinho... – o novinho insistiu, fazendo um tom quase que
maternal com o primo mais velho. – Tá se machucando, cara? Tem que ter cuidado
com esses caminhos, poxa! Lembra do que minha tia dizia pra você?
Deu um abraço no capoeirista, alisou seu rosto e beijou a
bochecha dele fraternalmente, deixando o primão um pouco tímido. Era muito raro
ter aquele tipo de carinho sincero vindo de alguém, por isso aquela reação meio
envergonhada, apesar de ter aceitado os chamegos.
- É melhor esconder essas coisas, antes que minha mãe chegue e
fique falando no teu ouvido, Abner. Da outra vez que ela viu as coisas do...
O moleque parou de falar e essa falta de palavras chamou a
atenção de Bezinho, que olhou pra ele e esperou pelo restante da conversa. Foi
a vez do primo mais novo ficar vermelho e do negão se sentir curioso.
- As coisas do...? – quis saber o restante do assunto. –
Desembucha.
Mas nem resposta.
- As coisas de quem, doidão? Eu conheço? Fala logo!
O novinho fez que sim com a cabeça, porém continuou sem
responder verbalmente, copiosamente tímido.
- Ih, caralho, tu tá de caso com um boy, é!? HJehehehe! Ele é
daqui da favela ou é lá do Éden?
Abner perguntou isso e o outro não soube onde esconder o rosto,
de tão envergonhado por aquelas perguntas. Aí sim o negão investiu na graça do
momento e disparou.
- Tua mãe já sabe que tu tá se engraçando com um maluco do
corre, moleque? Hahahahaha!
- Não, claro que não tô me engraçando com ninguém! Na verdade,
agora que cê falou, eu acho que tô só de fogo, sabe? Ai, esquece que te contei
isso, primo. Não me leva a séri-
- Então ele é do corre mesmo, é? – perguntou na lata. – Aff, não
boto fé! É aquele marginal do Cabelinho, né, seu puto!? Hahahahaa!
O primo mais novo quase caiu pra trás com a pergunta saindo tão
sincera e honesta.
- É o Cabelinho, num é, Bey!? – Abner insistiu. – Tu tá se
engraçando com o malandro do Cabelo!? Hahahaha!
Bey riu e fez que sim com a cabeça.
- Que merda, ein? E o pior é que... vocês nasceram pra ficar
junto, já te falei isso.
- Aff, explica isso pra ele, Abner!
Apesar do comentário positivo, Bezinho pensou mais um pouco e
não se segurou naquele olhar frio e fixo.
- Sai disso, doidão. Essa parada de gostar de traficante é uma
merda. – olhou pras próprias mãos e viu os cordões e anéis de ouro que Lelé
deixou pra trás, antes de sumir pra sempre no escuro do beco. – Daqui a pouco
sabe o que rola? Ou ele morre, ou bota na cabeça que tem que largar tudo por
causa de alguém, aí tu fica sozinho de pista. Aproveita enquanto tu é novo e
tem tempo, Bey.
O novinho ficou chocado com aquela resposta tão pronta, tão
processada, tão elaborada e construída.
- Eu falo isso o tempo todo pra ele, Abner! Que ele não é gato,
não tem sete vidas. Uma hora o bicho pega de verdade e eu fico aqui chorando
sozinho, sabe? Mas cê conhece aquele idiota do Cabelo, não conhece!? Ele sempre
diz que vai parar, que vai sair... E eu, otário...
- E tu acredita em papo de malandro, Bey?! Malandro não para,
malandro dá um tempo. Eu conheço o Cabelo e tô ligado que tu fala dele porque
tá apaixonado e se preocupa. por isso que te dou essa visão. Faz um favor pra
tu e pro Cabelo e não se envolve, não cria muito vínculo com ele, pro bem de
vocês. Se ele gosta de tu de verdade, vai se afastar e não vai te trazer nenhum
risco, se ligou? Papo de cria.
Ouvindo com atenção, o primo mais novo sentou na poltroninha e
ficou refletindo sobre aquela conversa sincera com o parente que não via há
algum tempo. Esse papo foi só o começo da relação próxima e fraterna que Abner
e Bey desenvolveram, com o capoeirista sempre o lembrando dos riscos que
envolviam a relação com Cabelinho.
- Papo reto, doidão. O que foi que tu viu naquele marginal do
Cabelo?
- Ah, cê sabe, né, Abner? Quando o sentimento começa, a gente
nem pensa direito nas coisas. Vai dizer que cê nunca amou ninguém na vida?
A pergunta inocente ardeu nas rachaduras recentes do coração do
negão. Ele pensou por alguns segundos, não respondeu, e o primo mais novo
entendeu o recado. Bey aproveitou a deixa e desconversou.
- Mas cê tem razão, às vezes eu fico pensando a mesma coisa.
Hahahahaha! – colocou as mãos nas cadeiras, suspendeu a blusinha e mostrou o
umbigo. – Tô gostando de um cara que não deixa nem eu fazer um piercing, dá pra
acreditar nisso!? Logo eu?!
Ao escutar isso, o negão automaticamente franziu a testa e quase
que juntou as sobrancelhas, de tão encucado com aquela frase. Como assim o
Cabelinho não permitia alguma coisa?
- Quem é ele, meu filho?! – Abner não conseguiu segurar a
indignação. – Quem o puto do Cabelo pensa que é pra te proibir de alguma coisa,
Bey?! Abre o olho, doidão! Deixa esse cara te dominar não, ein!
- Hahahahaha! É verdade, primo! Eu tinha era que cagar pra ele,
isso sim...
Incapaz de se manter quieto, Bezinho deu um pulo pra fora do
edredom no qual estava enrolado, pegou alguns cordões de ouro e enfiou no bolso
da bermuda apertada, emprestada do padrasto do novinho.
- Bora furar agora esse umbigo, anda!
- Quê?!
- É, porra! Anda, doidão! Vamo lá, eu te levo de graça. Tem um
maluco que fura ali perto do bar da boca, tu não tá a fim? Só bora!
Nervoso, Bey não esperou por aquele momento e sentiu a aflição
do cateter atravessando a pele do umbigo ali mesmo.
- Tô, é que... Sei lá, parando pra pensar, acho que eu tô
nervoso! Hehehehehe!
- Que nada, só bora. Vai dar bom, doidão!
E lá se foram os dois na moto, de rolé pela favela até o estúdio
de perfuração. Por muitas horas, Abner conseguiu viver com menos cobrança,
menos peso sobre os últimos acontecimentos envolvendo o coração. De repente,
tempo era exatamente do que ele precisava. Tempo e... reconhecimento. Sim.
Quando os primos chegaram no lugar pra fazer o piercing, o dono do estúdio não
cobrou valor, simplesmente porque sabia quem era Bezinho e sabia também da
vontade de Lelé. Esse detalhe fez o capoeirista lembrar que o Morro do Paraíso
tinha um novo dono: ele. Foi nesse mesmo dia que, trêmulo, Bey quase desistiu
de furar o umbigo, de tão nervoso. Aí segurou o braço do negão e choramingou.
- Isso não vai dar certo, primo!
O novo dono do morro tinha que dar o exemplo, não?
- E se eu furar contigo, doidão?
- ... Que?!
- E se eu furar contigo, doidão? – ele repetiu silabicamente,
dando um tom cômico à cena de nervoso. – Isso te dá coragem, moleque?
Resultado: a dupla saiu do estúdio com os umbigos furados.
Exatamente, o chefe da boca de fumo da favela também furou o umbigo, deixando
Bey impressionado pela coragem e pela inesperada ousadia. Pra completar,
Bezinho ainda suspendeu a blusa e ficou com a barriga definida de fora, só pra
mostrar a mais nova joia pendurada no meio do abdome. Alto, forte, truculento,
um negão de quase dois metros de altura, rindo à toa, acompanhado do primo mais
novo e ambos ostentando seus piercings no umbigo pra todo mundo ver, essa foi a
cena. Eles ainda tavam andando pela calçada lateral do estúdio, quando chegaram
perto do bar e uma senhora elogiou.
- É isso aí, meu filho! Vive pra ser feliz, não vive pra agradar
ninguém, não. Só se vive uma vez!
- Valeu, tia! – Bey achou graça.
Mas um homem que estava ali próximo, com roupa de pastor,
segurando uma bíblia e de cara fechada, fez questão de abrir a boca e opinar
contra.
- Perdoa essa alma, Senhor! Perdoa essa mente jovem e perdida,
que não sabe o que tá fazendo, pai!
Assim que escutou isso, Bezinho parou de andar e essa reação
inusitada fez todo mundo ficar um tanto quanto tenso pelo que aconteceria a
seguir. A senhora, o primo mais novo, os poucos transeuntes ao redor, incluindo
o próprio pastor, todos pararam pra ver o que vinha a partir dali. De pé, Abner
cruzou os braços, encarou o sujeito e riu, bem debochado.
- Aí, gente fina, vou te dar o papo reto? Se tu não gosta de
viado, é melhor virar a cara quando eu tiver passando na rua, tá ligado? Porque
além de viado, eu sou bandido. Isso te incomoda?!
Mas o evangélico simplesmente ignorou, como se não tivesse
ninguém por ali falando com ele. A atitude fez o sangue do novo dono do morro
esquentar. Ele não se aguentou e começou a andar na direção do homem, que, por
sua vez, levantou a bíblia e passou a berrar em frente ao barzinho da coroa.
- LIVRA ESSA ALMA DO PECADO, MEU PAI! Tira ele dos caminhos da
sodomia, da droga, da luxúria, meu Senh-
Com apenas uma mão, o negão capoeirista apertou a gola da blusa
social do pastor e, em movimentos brutos, começou a suspendê-lo no ar, chegando
a tirá-lo do chão de terra da comunidade.
- Escuta aqui, seu otário! Quer que eu te diga a diferença entre
a tua igreja e a minha boca de fumo? A droga que vende na boca é mais barata.
Hehehehehehe!
A cena fez Bey e a dona do botequim ficarem de queixo caído.
Desacreditado do nível de força do dono do morro, o novinho até tentou
argumentar.
- Pera aí, primo! Vai com calma! O cara é pastor, ele só tava-
- Só tava porra nenhuma, moleque! Esse vermezinho não tiraria
essa marra se fosse outro traficante, tá fazendo isso porque é comigo! – fechou
a cara, olhou firme pro sujeito pendurado na mão e falou com bastante raiva. – Ele
olhou bem pro meu piercing na hora de falar de sodomia, o caô dele é comigo!
Nervoso, mas sem desistir de suas convicções religiosas, o homem
tentou se debater, porém não conseguiu se livrar do controle absoluto de Abner
sobre si. Os pés ainda não tocavam o chão.
- TIRA A MÃO DE MIM, SEU MARGINAL! EU SOU SERVO LEAL DE DEUS!
Bezinho obedeceu, o largou e deixou o pastor cair sentado, com a
bunda plantada na terra. Em seguida, o capoeirista limpou uma mão na outra,
fechou os dedos e ficou encarando o pilantra de cima, enquanto sentia o sangue
fervendo de raiva.
- Servo de Deus?! Tu?! HAUHAUAHA! Tu é só um merdinha, fiscal da
vida dos outros. Tu é tão pecador quanto eu, seu lixo!
- Lava sua boca, seu imundo!
- Lavar?! Lavar é o que vocês fazem com dinheiro de gente pobre
lá naquele inferno de vocês, seu charlatão! Tá pensando que o... – ele pensou
brevemente naquele nome e preferiu evita-lo. – Tá pensando que o covarde do “ex
dono” não me passou a visão dessa porra de igreja de vocês, não?! Só trouxa que
não tá ligado, doidão!
Ouvindo isso, foi aí que o cara resolveu se soltar e mostrar
quem era de verdade. Cheio de ódio e com cara de ruim, o evangélico apertou os
dedos no solo, juntou um pouco de terra e tentou lançar contra Abner, mas o
dono do morro percebeu antecipadamente e desviou a tempo.
- Eu vou reclamar na facção, sua bicha imunda! Doença!
- RECLAMA, CUZÃO! – decidido e insubmisso, o negão botou a mão
na cintura, sacou a arma e apontou na direção da figura caída à sua frente.
- PRIMO, NÃ-
- “BUUM, BUUM, BUUM!”
Foram três salvos na mesma direção, deixando as poucas pessoas
próximas com um forte zumbido nos ouvidos. A senhora que era dona do bar correu
pro lado de dentro, deixando Bey sem reação e com as mãos cobrindo o próprio
rosto. Até que, lentamente, o primo mais novo abriu os dedos, depois os olhos,
e finalmente viu aquele corpo caído no chão.
- Isso é pra tu ficar ligado no papo, pastor. – gargalhando,
Bezinho encarou o homem e guardou a pistola ainda quente de volta na cinta. -
Ou tu abraça o papo ou é o papo que te abraça, morô? Quer ir lá na facção dar
queixa, pode ir. Manda aqueles puto brotar aqui, que eu mamo um por um, pra
provar que sou bicha! Vai dar em nada, doidão!
Sem qualquer ferimento e bastante trêmulo, o sujeito olhou pro
lado e viu a marca dos três disparos no chão perto de si, com a terra ainda
soltando fumaça do seu lado. Envergonhado e com o coração acelerado, eis que
ele se deu conta do excesso de calor entre as pernas, olhou pra baixo e viu a
calça toda molhada.
- Q-quando eu conheci a tua mãe... T-tu não era assim,
B-Bezinho. – o evangélico tentou dizer qualquer coisa.
- Bezinho é o caralho, meu nome agora é Abner Pequeno, morô?! E
se tu não me respeitar, a chinela vai cantar no teu lombo, maluco! A escolha é tua.
Aqui no Paraíso o perigo sou eu, tu escutou? – o capoeirista abaixou, pôs o
dedo no queixo do pilantra e o obrigou a encará-lo. – Eu fiz uma pergunta.
Escutou ou não escutou?
- E-escutei, Pequeno! Escutei, sim senhor!
- Então levanta e vê se vai tomar um banho, que essa calça tá
vergonhosa, mijão.
Só então o negão deixou o homem ir embora, voltando a dar
atenção ao primo Bey, que estava completamente sem palavras, de olhos
arregalados e o queixo caído. Foi a primeira vez na vida que ele testemunhou o
mais velho tomando atitudes drásticas como aquela, e sua primeira reação foi...
rir!
- Qual foi? – Bezinho quis saber o motivo da graça.
- Sabe que se minha mãe me visse andando contigo agora ela ia
dar um esporrão, né? HAUHAUHAHUA!
Sem jeito, o capoeirista coçou a cabeça, cruzou os braços e riu,
balançando o piercing do umbigo de um lado pro outro.
- É melhor a gente não ser visto junto, pra não te complicar.
Né?
- Ih, relaxa! Se mainha não ver, mainha não sabe. Hehehehe!
Apesar de que o povo aqui da favela é muito fofoqueiro. HAHAHHA!
Entre os risos, Abner levou esse comentário na graça e viu os
olhos sinceros do novinho rindo consigo. Momentos como aquele valiam muito mais
do que qualquer ouro no pescoço, nos dedos ou no umbigo. Involuntariamente, o
capoeirista esticou os braços e ficou parado, deixando Bey até admirado por
aquela atitude. Em seguida, eles deram um abraço sincero e começaram a se
despedir. O amor fraterno parecia mais aconchegante e sincero do que o amor que
o negão sentiu outrora, tão frágil e inconstante. Por fim, querendo fazer algo
significativo pelo primo, Pequeno pôs a mão no bolso, puxou várias notas e
entregou ao rapaz.
- Que isso, Abner?
- Vai lá comprar umas cracudinha pra tu, que eu sei que tu se
amarra. E ó, avisa praquele doidão do Cabelo que logo menos eu vou brotar no
Éden pra entornar umas com ele, já é? Hehehehehe! Tamo junto, primo!
Quase dois metros de altura, piercing de ouro no umbigo, os
cordões e anéis dourados pendurados no pescoço e pelos dedos, além da pele
negra suando e reluzindo debaixo do sol suburbano, quente e fogoso do verão
carioca. Aquela também foi a primeira vez na vida que Abner Pequeno sentiu um
fogo perigoso esquentando seu corpo, quase como se fosse o cano da pistola
aquecendo suas vontades, o ego, a cintura e seus desejos. Quando o novo dono do
morro finalmente sentiu seu poder, seu lugar e também sua sexualidade, eis que
a energia quente ascendeu todo o lugar à sua melhor fase. Era chegada a hora da
era de ouro da vida no Paraíso.
ABNER PEQUENO: A ERA DE OURO
Por mais que
Lelé tivesse deixado os moradores, traficantes e vapores avisados de que Pequeno,
seu braço direito, seria o novo dono do Morro do Paraíso, esse fato não foi
suficiente pra fazer todo mundo aceita-lo de imediato. Principalmente porque,
na mente de quase todos, ainda estavam frescas as lembranças de um Abner que
chegou a ser visto como traidor, na vez em que ele se irritou de ciúmes e
pensou em apontar a arma pro melhor amigo, mesmo não o fazendo. Entre outras
palavras, o aviso deixado por Lelé ajudou, mas o que fez Abner Pequeno
realmente se firmar como dono do Paraíso foram suas ações na favela, coisas que
antes ele só se via fazendo ao lado do parceiro Leonardo. Antes, durante,
depois, aos poucos Pequeno tratou de reconstruir muitas coisas: seu respeito na
comunidade; o coração estilhaçado; o tempo desfeito em escolhas erradas...
Inspirado na era de prata do Complexo do Céu na Terra, quando sua função era
auxiliar e cuidar de Lelé, Abner construiu uma verdadeira sensação de
prosperidade na região do Morro do Paraíso, movimentando uma massa de gente e
de dinheiro que não havia acontecido até então. Foi fazendo tudo sozinho, sem
ninguém do lado, apesar dos outros traficantes trabalharem com ele e até
acatarem suas ordens às vezes.
- E por que eu aceitaria a ordem de um traidor, maluco? – um dos
vapores questionou, uma vez.
- Porque é esse traidor que o teu ex chefe botou no lugar dele,
antes de fugir com o rabo entre as pernas. Se existe um traidor da comunidade, é
ele. Ele traiu vocês, traiu geral e ralou peito. – o capoeirista respondeu na
lata, sempre evitando dizer o nome do “ex dono” do lugar. – E, ó só, vô te dar
um papo reto, doidão? Eu também preferia quando era aquele covarde aqui fazendo
tudo. Tu acha mesmo que eu queria tá sentado aqui, tendo que lidar com um bando
de marmanjo feito vocês?!
Se os caras do comando queriam falar grosso, o tom dele tinha
que ser quatro vezes mais afiado. No começo foi difícil, boa parte daqueles
bandidos que tinham que obedecê-lo estiveram na segurança de Lelé durante
muitos anos, incluindo no dia em que, enciumado, Pequeno pensou em dar uma
resposta armada ao ex melhor amigo. Ou seja, além dessa lembrança, os bandidos
não gostavam do jeito respondão, autoritário e impositivo de Abner Pequeno, mas
essa era sua defesa intransponível e absoluta para lidar com o mundo. No
presente tudo virava ex alguma coisa, essa era uma tendência quase que fatídica
na vida do negão. Tudo era perecível, inclusive sua paciência.
- Tão enrolando essa droga na moral, doidão?! Segunda vez que
reclamam na boca, porra! – o capoeirista pegou a trouxinha de maconha, cheirou,
apertou e jogou nos peitos do mesmo traficante que questionou sua ordem da
outra vez. – Enrola essa porra do jeito que eu te ensinei, porra! Perdeu a
noção do perigo, mermão!?
- Foi mal, chefe! Vô refazer, vô refazer! – o sujeito respondeu,
todo apressado pra não decepcionar o dono do morro. – Perdão, perdão!
Ninguém melhor do que Abner Pequeno pra mostrar que respeito não
se pede, se impõe. E é claro que todas as responsabilidades vinham carregadas
com prazeres e diversas delícias, além dos pecados. Afinal de contas, aquele
morro era conhecido pelo nome de Paraíso, situado acima da Favela do Éden, duas
das cinco comunidades de um extenso e denso Complexo do Céu na Terra.
Em sua era de ouro, Abner organizou os melhores
bailes funk da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo não gostando, seus acordos com a
polícia e com a politicagem corrupta garantiam paz quase que permanente à
comunidade, durante o maior período de tempo já visto após o Inferno Carioca. Pensando
em lazer, o novo dono da favela analisou tudo que os políticos não faziam em
sua região e elaborou uma espécie de planejamentos de uma série de construções
ao redor do morro. Primeiro foram duas enormes piscinas olímpicas e depois três
quadras poliesportivas, pros jovens ficarem mais tempo na escola e menos tempo
à toa nas ruas. Pra não parecer que o sujeito só fez coisas positivas, no
âmbito da criminalidade, Pequeno abrigou e acolheu cerca de 142 traficantes que
foram expulsos do Complexo de Favelas do Acari, na Zona Norte do Rio de
Janeiro, recebendo parte deles em sua própria comunidade, providenciando
estadia e uma espécie de exílio “temporário”. No auge de toda as realizações
que fez naquele momento, alguns detalhes na vida de Abner permaneceram intactos:
ele morava no mesmo barraco de sempre, agora sozinho, e mantinha o hábito de
fumar da laje em todo entardecer, olhando pro céu se tornando escuro e pensando
nas coisas, todas elas, tentando conciliar e organizar cada uma no seu tempo.
Ou pelo menos as que estavam no seu controle, sob seu alcance. Seu círculo de
conhecidos mais próximo era constituído somente da tia e do filho dela, o primo
Bey, com quem o capoeirista se encontrava raramente. Além do primo, havia
sempre uma mina ou outra de olho no negão dono do morro, pra não falar dos
caras que olhavam pra ele e viam muito além do que os outros olhos comuns
conseguiam ver.
Apesar de ter começado de forma complicada,
sua gestão do Morro do Paraíso ficou historicamente marcada na comunidade, contabilizando
o menor número de conflitos armados ao longo da existência do Complexo do Céu
na Terra. Em poucos anos, os moradores finalmente passaram a respeitá-lo
completamente, entendendo que o puto era marrento, pavio curto e que ninguém
pisava em seu calo e saía impune. Ninguém. Detalhe matemático: ninguém sabia
que no fundo da mente do traficante Abner Pequeno ainda residia Bezinho, o
jovem observador do mundo e dos fins de tarde cariocas. Pensando nesse fator
incógnito, do qual ninguém sabia, e somando isso a 142 novos traficantes
exilados e vivendo no Paraíso, nasce a probabilidade mais improvável de acontecer:
após o “expediente” na boca de fumo e o típico rolé de moto pra conferir se
tudo tava certo pela favela, o dono do morro sentou em sua laje, olhou pro céu
e se pôs a enrolar um baseado, admirando o pôr do sol e se concentrando no
degrade lilás do final do entardecer. Até que...
- Psiu!?
Não deu nem pra ignorar ou fingir que não ouviu o sussurro
chamando, porque o corpo ficou todo arrepiado, dos pés à cabeça, deixando o
negão com a sensibilidade um tanto quanto aflorada, além do coração acelerado.
Existe uma forte nostalgia nos crepúsculos do verão carioca. Sabendo disso,
Abner correu pra lateral da laje, esticou o pescoço lá de cima e viu aquele
homem parado no portão, olhando pra si e fazendo cara de curioso.
- E aí, chefe? – o cara não escondeu a empolgação. – Como é que
tá essa força?
Àquela altura da era de ouro, todo mundo já sabia que nada e nem
ninguém era capaz de prender, de dominar ou de fazer a cabeça de Abner Pequeno,
como já aconteceu uma vez no passado. Mas mesmo assim, o negão não teve como
esconder a porrada que desestabilizou seu estômago e também as pernas, que foi
quando ele viu quem viu, lá embaixo, parado na lateral do portãozinho.
- Tudo suave com o dono do lugar? – o homem tornou a perguntar.
– Mó paz, ein? Hehehehe...
Sem blusa, só com short de algodão caindo pela cintura e
mostrando a estampa da cueca boxer por baixo. A camiseta estava jogada por cima
de um dos ombros esféricos, bem perto do cordão dourado pesando no trapézio
proeminente. Alto, moreno, com um cavanhaque malandreado na face rústica, o
corpo taludo e rígido, denotando o tanto de esforço físico que aquele cafuçu
costumava fazer durante o dia. E também às noites, quando ele ficava de plantão
na boca de fumo. Semblante de mal encarado, apesar do risinho cínico no rosto
bruto. O peitoral desenvolvido, porém não bombado, cheio de pelos em trilha no
meio, descendo até o umbigo, sendo que tudo isso estava com um delicioso cheiro
de perfume vagabundo, típico de malandro, de carioca sagaz e suburbano.
Chinelos slide nos pés enormes, as sobrancelhas escuras e grossas, uma delas riscada.
O cabelo igualmente escuro, disfarçado nas laterais, mas escondido sob um boné
pra trás. Várias tatuagens no corpo, a mais desgastada delas certamente era o
nome da mãe, “Doralice”, escrito no verso de um dos antebraços. Ninguém jamais
esperou uma aparição daquelas, principalmente em pleno Paraíso.
- CK?! – de cima da laje, Abner não escondeu a surpresa. – O que
tu veio fazer no meu barraco, doidão!? Já não dei o papo que eu só resolvo as
parada quando tô na boca?
Mantendo o risinho, CK abaixou a cabeça, fez como quem não
queria nada e levantou uma das mãos, mostrando um saco com várias coisas
dentro.
- Tá sozinho, chefe? Posso subir?
Assim que ouviu a pergunta, Pequeno sentiu vontade de rir, mas
logo desconfiou e pôs a mão por cima da pistola na cintura.
- Subir no meu barraco!? Te dei intimidade de vim zoar meu
plantão uma hora dessa, Erick!? Perdeu a noção, foi?!
Vendo o dono do morro se preparando pra pegar na arma, o sujeito
perdeu a compostura, ficou todo sem jeito e já tratou de tentar explicar o que
foi fazer ali.
- Relaxa, chefia, relaxa! Fica tranquilo, que eu só brotei pra
agradecer, se ligou?
- Agra-decer? – o negão quase gaguejou, totalmente perdido
diante daquela situação tão inédita. – Agradecer o que, doidão?!
Afinal de contas, em pleno verão da era de ouro do Morro do
Paraíso, quem imaginaria que um CK adulto apareceria no portão de Abner,
pedindo pra entrar? Parado lá embaixo e aparentando uma singela timidez, o
cafuçu balançou a sacola na mão e tirou um charuto de maconha da parte de trás
da orelha.
- Agradecer pelo exílio, chefe! – decidido, ele não sairia dali
tão facilmente, nem que tivesse que apelar e fazer um charme. – Foi tu que deu
casa quando fomo expulso lá do Amarelo, tá ligado? Então eu brotei pra te dar
uma moral, chefia. Trouxe uma cerva, um skunk do bom. Tá a fim de fumar um
natural? Hehehehe!
Abner escutou tudo com muita atenção, parado lá em cima da laje,
enquanto encarava CK no portão. Nos exatos segundos em que os dois se fitaram,
o dono do morro sentiu um fogo descomunal começando a cerca-lo. Foi quase como
se ele fosse invadido, lido, incendiado por dentro, tudo por conta do jeito
charmoso e hipnótico com o qual o cafuçu malandreado o olhava, diretamente nos
olhos. Quando eles se encaravam e se olhavam bem nas írises das vistas, o lado
mais escondido dentro da mente do negão se sentia exposto, percebido, nu. Erick
conseguia olhar para Abner Pequeno e ver nitidamente Bezinho em seu interior,
isolado, sozinho. Esse era o maior perigo: CK possuía a mesma energia, o mesmo
fogo no olhar e na atitude que Abner também tinha em si, a fagulha da insubmissão.
A mesma caloria que o dono do morro usava de combustível pra forjar a era de
ouro a partir da era de prata. Por conta de todos esses detalhes e
similaridades perigosas de alquimia, Pequeno só poderia ter uma única reação
natural à ameaça representada por CK.
- Eu lá tenho cara de quem precisa disso, Erick? – o capoeirista
acendeu o próprio baseado na mão, virou um copo da cerveja que estava bebendo
sozinho e debochou do cara lá embaixo. – Tenho cara de quem precisa de puxa
saco?
Soltou a fumaça no ar, cruzou os braços e continuou encarando o
malandro parado em seu portão. Mas o cafuçu sabia bem que não seria fácil
convencer o chefe a dar o braço a torcer ao menos uma vez. CK chegou ali
preparado, desde o dia em que, ao lado de mais 141 traficantes, pisou pela
primeira vez no Paraíso. Sendo assim, ele fez cara de triste para a resposta
dada por Abner, depois virou o corpo e saiu andando devagar, cabisbaixo, com
jeito de quem ficou mal.
- Erick?
Lá de cima, o dono do morro chamou e a voz dele fez o cafuçu
parar de andar. Antes de virar e encarar o chefe, o pilantra deu um sorriso e
comemorou ocultamente o sucesso do plano. Só depois disso ele finalmente virou
o corpo sem blusa, olhou no fundo dos olhos de Abner e esperou pelo que viria a
seguir.
- Quem mandou tu ir embora? – Pequeno perguntou, abaixado de
cócoras na beira da laje.
CK abriu um sorriso e não segurou a animação pela mudança de
planos. Mas nenhum dos dois se mexeu. Eles continuaram parados, se olhando de
longe, um no terraço do barraco, o outro parado no portão. Os olhos se fitando,
transmitindo muito calor sob o pôr do sol, e a fumaça do baseado de Abner entre
eles.
- Tá sozinho? – o chefe quis saber.
- Com certeza, chefia.
- Então sobe. Mas ó... – pausou antes de prosseguir. – Tô
armado, doidão. É melhor tu não tentar nada, escutou?
- Nunca, chefe, que isso!? Tá maluco? Eu só vim agradecer, o
papo é reto.
A partir desse ponto, tudo aconteceu lentamente e em completo
silêncio, sem qualquer ruído aparente que pudesse interromper o enorme diálogo
entre os dois. Revezando entre tragar do cigarro de maconha e observar o homem
subindo até à laje, Abner sentiu calor no corpo e a mente querendo ficar
bagunçada, algo que jamais permitiria. Do alto do terraço, eis que aquele dia
se tornou um dos maiores vislumbres do Paraíso. Becos, vielas, fraturas,
favelas, tudo mergulhado no mesmo Complexo do Céu na Terra, no verdadeiro
Inferno suburbano que o Rio de Janeiro pode ser no verão. Sob um céu travado no
entardecer, Pequeno viu CK chegando do seu lado e o cheiro forte do perfume
vagabundo entrou por seus pulmões, deixando o dono do morro zonzo.
- O que foi que deu em tu, doidão? – a única pergunta que o
capoeirista conseguiu fazer, perdido nas palavras.
- Já dei o papo. Tu me aceitou na favela, né, chefe? Se não
fosse isso, eu tava perdidão na rua até agora. Heheheehhe!
Os olhos não pararam de se fitar, um bem focado no outro. Entre
as passadas de baseado, as fumadas e os goles na cerveja, a dupla permaneceu
ali, em cima da laje do barraco de Abner, observando o pôr do sol e desfrutando
da companhia alheia.
- Tem certeza que é só isso, maluco?
Frente a frente, Pequeno fez a pergunta e viu um Erick
sorridente se aproximando de si. Sem reagir, ele viu e sentiu o exato momento
em que o cafuçu segurou seu ombro e fez um carinho.
- Eu tenho te observado, chefia... Eu tô ligado que...
Debaixo do crepúsculo duradouro, em tons de laranja forte, lilás
e azul escuro, CK passou a mão bruta pela cintura do dono do morro, o agarrou
pelas costas e o puxou bruscamente para si, unindo os dois corpos pela primeira
vez na história. Mais do que qualquer outra pessoa ali e por qualquer razão
aparente, o marginal conseguia ver nitidamente Bezinho quando olhava para
Abner, por isso aquele momento estava acontecendo entre eles. Boca na boca, a
língua de um procurando pela do outro, enquanto o negão só sentiu o coração
disparando, ainda sem saber o que fazer. Os lábios mexendo contra o dele, a mão
apertando sua cintura no sentido do corpo cheiroso e descamisado do malandro, e
o instante se desdobrando em vários segundos. Até que, finalmente, do meio do
beijo roubado, eis que o capoeirista se viu brevemente respondendo, reagindo,
correspondendo à pressão da boca na sua, mesmo que por breves milésimos. E aí a
mão respondeu mais rápido, empurrando bruscamente o físico de Erick pra trás.
- PERDEU A NOÇÃO DO PERIGO, SEU PIVETE!?
- Calma, chefe, calma! Pode se soltar comigo! Confia no pai, eu
já fiz isso ant-
- QUE MANÉ PAI, FILHO DA PUTA! – sacou a arma, apontou no
peitoral do pilantra e fez cara de puto. – TIRA A MÃO DE MIM! SE ADIANTA,
PORRA! Tá maluco de me encostar assim?! Rala, CK!
- Mas chef-
- Rala, porra! – mirou na direção da ruela e insistiu. – Bora,
tô mandando! Se adianta, doidão!
Não teve conversa. O começo de noite acabou não sendo exatamente
do jeito que Erick havia planejado. Malandro e gaiato que só, ele até tinha
noção do comportamento desconfiado e insubmisso ostentado pelo dono do Paraíso,
porém jamais esperou que a conquista fosse tão complicada quanto pareceu. No
entanto, mesmo tendo ralado do terraço de Abner, um impacto já havia sido causado,
pelo menos naquele primeiro momento.
- Agora tu vê!? Filho da puta viaja, mané... – querendo admitir
ou não, o chefe do morro ficou pensativo. – Tem me observado, até parece! Erick,
Erick... Tu toma vergonha, doidão!
Parado, sozinho e olhando pro horizonte se tornando escuro, Pequeno
ficou refletindo sobre o beijo roubado e sentindo aquela marca deixada em sua
pele. Mesmo depois de vários minutos após o ocorrido, ele ainda tocava a
própria boca com os dedos, só pra ter a certeza de que aquilo tinha realmente
acontecido. Os lábios ainda estavam marcados com o calor do beijo impresso. A
quentura de outra boca, uma boca rústica e morena, havia preenchido seu paladar.
Quando foi mesmo a última vez que algo assim aconteceu? Ah, sim...
Esse período na
história do morro não foi chamado de era de ouro só por conta da sensação de
prosperidade presente na comunidade. A fase também significou a explosão do
calor, do fogo do verão e do jeito saliente e infernal que Abner passou a
ostentar desde então. Afinal de contas, quem muito trabalha tem que se divertir
dobrado. Como consequência, de um lado havia os bailes funk do Paraíso, cada
vez mais lotados e inflados de gente circulando. Do outro, o comportamento
excêntrico do chefe da favela, se tornando cada vez mais intenso, mais
incontível, incapaz de ser dominado. Um dos episódios que mais deixou essa
insubmissão em evidência foi na véspera do aniversário de 26 anos, quando, do
alto do camarote do baile funk lotado, Pequeno olhou pro meio da multidão lá
embaixo e viu aquele homem se destacando de todo o restante.
- O que aquele filho da puta pensa que tá fazendo aqui?! –
apontou pro meio da quadra onde ocorria o evento e chamou a atenção dos
capangas que faziam sua segurança. – Quem foi que deixou esse arrombado brotar
no meu baile?!
- Quer que a gente bote pra fora, chefe? – Erick logo
providenciou a oportunidade, mas ele logo foi interrompido pelo próprio dono do
morro.
- Não, pode deixar. Pode deixar, que eu mermo vô lá dar um papo
no filho da puta! Pode deixar comigo.
Quando o negão dava um aviso desses, todo mundo só obedecia e
ficava olhando, ciente de que alguma coisa grande ia acontecer.
- “Oh, novinha, eu quero te ver contente. Não abandona o piru
da gente! Aqui no Helipa, confesso, tu tem moral. Vinha aqui pra favela pra
sentar no pau!” – o som não cedeu nem por um minuto.
Praticamente sem piscar os olhos e tampouco tirá-los de seu
alvo, Abner cruzou a quadra lotada, foi passando de pessoa em pessoa, até que
finalmente chegou bem na frente do sujeito.
- Tá fazendo o que aqui, cara?
- Ih, qual foi? – a figura fingiu que não entendeu, balançou o
braço e mostrou a pulseira de VIP. – A favela também é minha, eu sou morador. Tô
de penetra não, sodomitazinho!
Mesmo com o barulho dos alto-falantes explodindo exageradamente
ao redor deles e todo mundo se mexendo, Pequeno escutou muito bem a palavra
chegando em seus ouvidos, assim como leu os lábios do evangélico dizendo
exatamente o que queriam dizer. Pelo visto, o pastor ainda não sabia nada sobre
respeitar o chefe da favela. De bíblia na mão e roupa social, ali estava o
figurão, no meio da multidão, tentando evangelizar alguém, como se fizesse
algum tipo de vigília em pleno baile funk.
- Sodomitazinho? – Abner repetiu a palavra e deu um risinho,
preferindo desviar o olhar por alguns segundos, pra não acabar tomando qualquer
atitude drástica e repentina.
Aí ele esfregou a mão no rosto, depois olhou pra cara de
fanfarrão daquele sujeito, apontou na direção do portão principal da quadra do
evento e falou em tom de ultimato, quase que cuspindo as letras.
- Sai.
Não houve reação. Frente a frente, ambos se olharam e esperaram
pelo que aconteceria a seguir, mas nada aconteceu, então o barulho do baile seguiu
normalmente entre eles.
- Sai, senão eu mesmo vou te jogar daqui! Sai daqui, seu diabo!
- TÁ REPREENDIDO EM NOME DO SENHOR! – o cara suspendeu a bíblia
e aumentou o tom de voz.
- Ah, não vai sair, não?! NÃO VAI SAIR!? – Pequeno olhou pro
lado, viu Erick chegando armado e já deu a ordem. - TIRA ELE DAQUI, CK! Tira ele
daqui, que eu tô sodomitazinho PRA CARALHO pra me estragar por meio diabo! TIRA
DAQUI!
O pedido foi acatado na mesma hora, o malandro já foi logo batendo
com o tórax contra o pastor e o encurralando pra fora do lugar, mesmo com muita
resistência por parte do evangélico. Enquanto a cena acontecia, os outros
traficantes riam à beça, acompanhados pela visão de um Abner gargalhando,
xingando e berrando de longe.
- Rala, mete o pé! Seu MANDADO! Xô, vai pra casa do caralho! METE
O PÉ! VAZA! Leva ele, leva ele, Erick! Canta pra subir!
Depois de ter expulsado o pastor, aí sim o baile do Paraíso
ficou uma uva, só felicidade. Porém, ao mesmo tempo que o nome do lugar remetia
ao divino, cada vez mais os passos dados por Abner no chão da comunidade se
tornaram infernais. Seu andar marginal pra cima e pra baixo nos becos e vielas
passou a ser carregado de muito fogo, com Pequeno sendo sempre bem escoltado
por seus três únicos homens de confiança, todos fortemente armados dos pés à
cabeça. Essa escolta acontecia inclusive na hora do baile. E aí, cheio de
vontade de dançar e de ficar à vontade, o capoeirista começava a beber, a
baforar lança perfume, depois pedia pros “seguranças” darem uma volta, afinal
de contas, ele também precisava de espaço pra soltar o corpo e se sentir em
casa.
- “E ela vem sacolejando a raba na frente do seu neném. Quer
botadona braba? Isso eu vou te dar também. Só botadona, meu bem! Só botadona,
meu bem!”
O funk alto explodia no paredão de som do canto da quadra. Um MC
cantando, a multidão dançando e bebendo ao redor, todo mundo comemorando o
aniversário de 26 anos de Abner, com tudo regado e em excesso, bem do jeito que
o chefe gostava. Som, droga, mulher e homem pra tudo quanto era lado, direção e
sentido, muita bebida e o fim de semana de comemorações só começando.
- “Bota, bota, bota, bota aqui. Bota, bota, bota, bota tudo
em mim! Bota, bota, bota, bota aqui. Bota, bota, bota, bota tudo mim!” –
nenhum sinal de que o volume da música seria abaixado, pelo contrário. – “Bota,
bota, bota! Bota, bota, bota!”
Sem qualquer medo de se jogar e de ser quem era, Pequeno sentiu
o corpo esquentando, por causa do álcool, aí apertou o copão entre os dedos da
mão e se apoiou nos próprios joelhos. Bêbado, ele empinou a bunda de leve,
fechou os olhos e foi cantando conforme rebolou, mexendo o quadril pra frente e
pra trás no ritmo do funk. Quase sete da manhã, o dono da favela de óculos
escuros, com seu ouro de sempre, relojão no pulso, os tênis de molas, calça
jeans justa, blusão e o colete por cima. Baforando lança perfume, enchendo a
fuça, comemorando o aniversário e rindo à toa, fortemente armado e rebolando o
cu de um lado pro outro, no ritmo do tamborzão acelerado.
- Caralho, é papo reto que o chefe é viadão?! – Sandro, um dos
seguranças do capoeirista, não pôde deixar a cena passar despercebida. – Achei
que era só zoação, maluco! O cara é dono de morro e dá ré no quibe, é isso mermo?
- Porra, até parece que tu não tava ligado, paizão. – TH, o
segundo na escolta, respondeu. – Ó só como ele tá dançando?
Parados perto de Abner Pequeno, mas dando espaço suficiente pro
chefe da comunidade dançar e rebolar à vontade, os dois traficantes se olharam
e ficaram vendo a dança do negão, acompanhando com bastante atenção os
movimentos do lombo avantajado subindo e descendo devagar. Pequeno com um fuzil
parafal nas costas, preso à bandoleira, uma pistola cromada em ouro em cada
lado da cintura, vários radinhos pendurados, mas a raba sacolejando firme na putaria
acelerada do 170bpm carioca, sem parar.
- Agora eu quero saber quem é que vai ser o primeiro a ter
coragem de chamar ele de bicha. Hehehehehe! – Sandro não resistiu à piada e
mandou pros amigos próximos.
Todos eles se olharam, dois saíram da roda imediatamente, três
fecharam a cara e só ele ficou rindo. Assim que escutou isso, um deles veio do
lado do parceiro e o advertiu.
- O cara te aceitou na favela, te promoveu pra ser segurança, te
deu uma porra de Hornet de trinta mil conto e tu ainda fica gastando, seu
otário?! – CK apertou o ombro de Sandro e tratou de mostrar a insatisfação. –
Abraça o papo do Pequeno, senão o papo do Pequeno te abraça, maluco! Já
esqueceu do que tu fazia lá no Amarelo antes da gente vir pra cá, é? Qual foi?!
O homem que fez a piada sentiu uma enorme pressão ao escutar
aquela resposta na lata. Ele viu os olhos escuros de Erick o fitando e só então
segurou a onda. A partir daí, os três voltaram a observar Abner dançando e se
soltando na pista do baile. Drogado, Sandro novamente não conseguiu se conter e
ficou rindo.
- Qual foi agora, cuzão? – CK cruzou os braços e fez cara de
puto mais uma vez. – Lá vai começar de novo?!
- Tô aqui lembrando da época do Amarelo... Quem vai ser o
primeiro a pedir pra enrabar o chefe?
- UHAUAHAHAHA! – TH, o entregador do grupo, caiu na gargalhada e
isso deu ainda mais empolgação pro Sandro achar graça.
O sol começando a nascer, mas os raios ainda não batiam neles,
graças aos morros em volta. Isso criou uma área de penumbra sobre todos, uma
espécie de sombra fraca, que deu um efeito visual bonito de ver. Era
literalmente o Paraíso. Até que, pra começar o inferno, Abner escutou as
gargalhadas do seu trio de seguranças e só então percebeu a algazarra que eles
estavam fazendo. Aproximou-se dos três de surpresa, pisou firme no chão e
mostrou a cara de desgosto.
- Posso saber do que as três florzinhas tão achando graça!? – fez
a pergunta e gesticulou com a pistola “sem querer” na direção deles. – Tem algum
palhaço fazendo palhaçada aqui?
As reações foram imediatas e unânimes.
- Não, chefe! Claro que não, nunca!
- Que isso, chefia?! Zoar o senhor? Jamais!
- Sem querer, Pequeno!
Ouvindo as respostas com bastante atenção, o negão caminhou
devagar na frente deles, olhando pra cara de cada um, até que parou diante do
mais abusado e marrento do trio, aquele que sempre tava fazendo piada com
alguém.
- Do que tu me chamou, Sandro?
- P-Pequeno?! – o puto até gaguejou.
Em represália, Erick CK bateu com o cotovelo no braço do amigo
parrudo e tentou corrigi-lo a tempo, mas já era tarde demais. Abner apontou a
pistola dourada no queixo do homem, o obrigou a encará-lo e não gostou do que
ouviu.
- Pra tu é chefe também. Eu sou o teu chefe, tu tá me ouvindo,
rapá?
Falou bruto, sem qualquer educação, cobrando taxativamente o
devido respeito do capanga.
- Foi mal, chefe!
- Tô dando confiança pra tu me chamar de Pequeno não, Sandro.
Escutou?!
- Escutei, escutei! Perdão, chefia!
- Assim que eu gosto. Acho muito bom!
O traficante parado, sério, ouvindo o esporro e só concordando,
fazendo que sim com a cabeça. Relaxado, bêbado e baforando o lança perfume, o
dono do Morro do Paraíso deu um tapinha em cheio no rosto de Sandro, só pra
desmoralizá-lo ainda mais na frente dos colegas. Vendo essa cena, CK começou a
rir, porém também foi logo percebido.
- Tá achando graça, é, Erick?! Quando tu foi expulso lá do
Amarelinho, fui eu que te acolhi, seu traste! Deixei tu segurar minha mochila
pesada, com mais de não sei quantos mil de dinheiro vivo, e tu fica aí rindo da
minha fuça!? Perdeu a noção?!
- Calma, calma, chefia! Eu tava rindo do Sandro, nunca ia rir de
tu, jamais! Papo é reto, pô!
Quase num efeito dominó, TH também riu da sequência de esporros
e acabou sendo o próximo na linha de reclamações.
- E tu, TH, tá rindo de que também!? – o capoeirista segurou o
vapor pela gola da roupa protegida, olhou nos cornos dele e quase cuspiu as
palavras. – Botei um colete de fibra de carbono em tu, botei parafal e granada
na tua mão, mas mesmo assim tu nunca viu um viado rebolando no baile!? Abre teu
olho, doidão!
- Não vai acontecer mais, chefe! Que isso!
- Não vai, não?! – o negão botou pressão na fala e insistiu.
- Não, chefe!
- NÃO MESMO?!
- NÃO, CHEFE!
- PROMETE?!
- PROMETO, CHEFE! MÁXIMO RESPEITO!
- Acho bom mesmo! Tô gostando de ver a educação que eu dei. Já
falei que ou abraça o papo ou o papo abraça vocês, num já?
- Já, chefe! – todos responderam juntos.
Só então um Pequeno bêbado e drogado voltou a rir e dançar,
finalmente deixando os três homens aliviados pelo excesso de truculência com o
qual vinha se comportando há algum tempo. Sem parar de observar o marginal balançando
e se divertindo com a cara deles, o trio permaneceu em silêncio, retomando seu
estado natural de vigilância e de segurança do dono do Paraíso. Até que, sem
mais nem menos, Abner voltou pra perto dos marmanjos e dançou ali de propósito,
olhando pra cara de cada um dos machos desajeitados, que ficaram literalmente
sem saber o que fazer. TH tratou de buscar mais bebida e drogas pros amigos,
Sandro saiu dali e foi pro canto enrolar um balão, enquanto apenas Erick permaneceu
ali de pé, observando o chefe jogando a raba de um lado pro outro.
- E tu, tá olhando o que, doidão?
- Nada, chefia. Tô só te analisando...
- Me analisando? E eu preciso de analista?
Pequeno parou na frente de CK, alisou seu rosto e, provocativo,
mexeu com o dedo sem seus lábios grossos, como se quisesse testar até onde iria
a paciência e a resistência do capanga. Entre os risos e na maior intimidade
com o patrão, o malandro não se deixou abalar e permitiu que Abner fizesse o
que bem entendesse. O capoeirista foi chegando perto, mas tão perto, que
encostou de leve no volume da rola do Erick. Aí, sem mais nem menos, passou o
dedo pelo elástico do short do traficante, afastou a roupa e manjou lá dentro,
na maior cara de pau, fazendo CK cair na risada de vez.
- Tu tá sem cueca, doidão? – Pequeno quis saber.
- Tô, chefe. Tô do jeito que tu gosta!
- Ah, é?
- É! – o salafrário respondeu todo entregue, nem aí pra quem
fosse ver o que tava rolando.
- Então vem dançar comigo. – Abner provocou e o puxou pela ponta
do dedo. – Tem coragem pra dançar com o dono do morro, doidão?
- Coragem pra dançar contigo, chefinho? Tá me gastando?
CK esqueceu do mundo e foi pra trás do negão, entrando no ritmo
da dança junto com ele. Essa foi a cena que impactou muita gente no baile, o
vislumbre de dois machos dançando funk quase que colados, um rebolando a bunda
e outro posicionado atrás, ambos completamente à vontade. Os dois armados, com
radinhos na cintura, armas na cinta e um deles com o fuzil preso nas costas,
porém nada foi capaz de impedir o momento de acontecer.
- “E ela vem sacolejando a raba na frente do seu neném. Quer
botadona braba? Isso eu vou te dar também.” – a música alta seguiu
explodindo nas caixas de som emparelhadas no paredão da quadra. – “Só
botadona, meu bem! Só botadona, meu bem!”
Os raios de sol finalmente começando a banhar todos os moradores
do Complexo do Céu na Terra em luz matinal. Os movimentos de rebolada mexeram e
remexeram com o volume sem cueca de Erick. Pequeno mexia a bunda e fazia o
lombo descer e subir, encaixando exatamente na peça do outro marginal. Dava pra
senti-lo cada vez mais galudo por baixo das roupas, com fome, perdido entre dançar
com o chefe e ensaiar como seria enrabá-lo. Um se amassando no outro e nenhum
sinal qualquer de que parariam o que estavam fazendo no meio do baile, sem medo
de mergulharem de cabeça.
- “Bota, bota, bota, bota aqui. Bota, bota, bota, bota tudo
em mim! Bota, bota, bota, bota aqui. Bota, bota, bota, bota tudo mim! Bota,
bota, bota! Bota, bota, bota!”
Dois machos conectados pelos movimentos da traseira de um na
virilha de outro. Corajoso, o cafuçu malandro aproveitou a dança sinuosa e o
contato íntimo imediato com o patrão e desceu as mãos pelas costas dele,
chegando até as ancas, onde se segurou e tomou ainda mais ângulo pra aplicar
pressão naquele roça-roça. CK ficou literalmente montado na raba do negão, o
travando pela cintura e sentindo cada rebolada que Pequeno dava contra ele.
- Pelo visto tu tá gostando bastante da dança, né, pivete?
- Gostando?! Porra, chefinho, eu tô é perdendo a cabeça contigo,
isso sim! SSsS! Ah, se tu soubesse o que eu quero fazer e não posso...
O pilantra não tinha como ser mais sincero.
- Tá perdendo o respeito comigo, doidão?!
- Tô te passando a visão no máximo respeito, morô, chefia? – CK
respondeu por trás do ouvido do capoeirista, sem parar um só segundo de dançar
e de remexer deliciosamente junto dele. – Não consigo ficar mais um minuto do
teu lado sem querer foder contigo, papo retão! Se quiser me dar um tiro por
causa disso, eu tomo até dois, três, viro queijo suíço na tua mão, chefinho.
Mas não tem como fugir desse tesão, não, tá ligado?
Parecia um cachorrão babando por cima da carne, doido pra
avançar e finalmente comer, até encher o bucho e se sentir saciado. Em cada
imprensada que Erick dava com o quadril estancado agressivamente entre as
nádegas do parceiro, ele sentia a raba sacolejando em sua vara e ficava ainda
mais encaralhado, doido pra cruzar ali mesmo, no meio do baile funk lotado. Era
quase um Drake na Rihanna.
- Cuidado com o que tu tá me dizendo, doidão!
- Cuidado é o caralho, chefe! Já tô cansado de fingir que meu
pau não sobe firme toda vez que te vejo de rolé pela favela. Eu quero foder
contigo, quero te sentir por dentro. Qual vai ser? Bora fudê, vamo? Hmmfff!
Era a matemática perfeita entre uma dança sensual, um momento
sexual e a intimidade flamejante que aqueles dois machos em ebulição possuíam.
Não havia como negar a sinergia entre eles. Usando as mãos presas na cintura do
dono do morro, CK fez pressão e deixou a pilastra meia bomba cantar na traseira
de Abner, ao mesmo tempo em que remexeu o quadril, as coxas e dançou encaixado.
- Tá perdendo a noção, doidão? Te orienta, Erick!
- Já tô perdendo a noção há mó tempão, já, chefia! Bora fudê, bora?
Bora sacudir um barraco, fazer logo dois, três moleque junto? Não aguento mais,
Pequeno, puta que pariu! SSsS!
Ao redor deles, os outros traficantes e vapores do Morro do
Paraíso viram o momento entre os dois e só ficaram rindo, cada um na sua.
Música alta, vários homens espalhando lança perfume no ar e deixando o ambiente
com o mesmo clima, o mesmo cheiro forte de putaria. CK terminou a noite dando
mordidas e lambidas na nuca do dono do Paraíso, tudo isso enquanto dançaram e
quase se comeram ao vivo no baile. Bêbados, drogados, entretidos, aliviados da
sobrevivência no Complexo do Céu na Terra. Entregues. Toda comemoração era
pouca pro aniversário de Abner Pequeno. Nem mesmo abrir a mochila do corre e
jogar dinheiro pro alto ajudou a dar conta de toda a energia e diversão naquele
amanhecer acelerado no Morro do Paraíso.
A tarde do dia
seguinte foi basicamente de ressaca. Quase todos os estabelecimentos da favela
abriram tarde, com algumas ruelas ainda tendo copos jogados pelo chão, bebuns
caídos por cima de mesas de pracinha, alguns cães devorando restos de podrão e
vários viciados em pó andando aleatoriamente na comunidade. Tudo estava em
silêncio, desde a manhã agitada, pós véspera de aniversário do gerente da boca,
até o começo da noite do dia seguinte. Ninguém esperou que a pré-comemoração de
Abner fosse ter as proporções que teve. No entanto, o que ninguém realmente
imaginou foi que o inferno estava pairando sobre o Paraíso, à espreita pra
fazer chover fogo. Na madrugada, quando a maior parte dos moradores foi dormir
e pouca gente circulava pelas ruelas da comunidade, Pequeno fez seu movimento.
- “Coé, contenção?” – um dos meliantes que ficava na entrada da
favela, de olho na movimentação de pessoas, acionou outro cara pelo radinho. – “Tem
alguém lá fazendo a cobertura no barraco do chefe?”
Acompanhado de apenas um vapor na boca de fumo, quem recebeu o
chamado do parceiro foi o cafuçu malandro número um de Abner, Erick CK. Sentado
no balcão e olhando pra ruela vazia, CK puxou fumaça de um baseado e respondeu
com a voz carregada.
- Não, tem ninguém lá, não. Tu conhece o Pequeno, ele não gosta
de ser incomodado fora da boca, por isso não quer ninguém lá perto do barraco.
Por que, qual foi?
- “Não, é que parece que alguém acabou de sair de lá. Vocês
conseguem ver daí?”
Ouvindo isso, o cafução se pôs imediatamente de pé, curioso por
quem poderia ser.
- Alguém saiu do barraco do Pequeno!? À essa hora!?
- “É. Morador aqui me passou a visão, por isso que tô
perguntando.”
Preparado pra fazer alguma coisa, o malandro já foi acionando TH
e Sandro no radinho e tratando de posicioná-los para qualquer eventualidade
possível de acontecer. Com o trio formado na boca de fumo, eles decidiram ir
até o barraco do chefe do morro, mesmo sabendo que Abner detestava receber visitas
fora do horário. Quando se prepararam pra ir pra rua, foi nesse instante que os
portões do inferno se abriram diante deles. Ou melhor, foram abertos.
- O que é... – TH, o entregador, foi o primeiro a perceber e até
apontou na direção do que viu. – Puta que pariu...
- Meu Deus...
- Eita, porra! Vai babar.
Andando no sentido oposto ao deles na ruela, eis que a figura
inusitada foi subindo e se fazendo presente na boca de fumo. Parecia até um
imperador, um rei envolto num roupão bastante aconchegante, feito na cor
vermelha por dentro e branca por fora, com direito a golas felpudas, típicas de
uma realeza. Sim, era a majestade de todos aqueles homens do Morro do Paraíso.
Abner Pequeno fez um precioso contraste entre sua pele escura e a tonalidade
clara do roupão, tudo isso sendo banhado pela luz lunar da madrugada, em frente
à boca de fumo da comunidade. Parados, Sandro, TH e CK não souberam o que
dizer, completamente secos e sem palavras diante do chefe naquele visual
totalmente inesperado.
- Ontem lá no baile vocês tavam decidindo, né? Eu escutei. – o
negão fez a pergunta, mostrou as duas pistoladas forjadas em ouro puro, cada
uma numa mão, e deu um risinho carregado de luxúria. – Tavam decidindo quem ia
ser o primeiro a enrabar o chefe, não era isso?
O trio não teve reação. TH até chegou a encarar Sandro,
lembrando que foi ele quem havia feito esse comentário na madrugada anterior,
mas agora já era tarde. O inferno já estava com os portões abertos bem diante
dos três, Pequeno jamais voltaria atrás na decisão tomada. Sem mais, o chefe do
Morro do Paraíso parou na frente da mesa repleta de entorpecentes, abriu o
roupão no meio e exibiu o corpaço completamente nu, vestido tão somente numa
cueca estilo jockstrap, que deixou as coxas de capoeirista, as ancas firmes e a
raba avantajada de fora.
- Agora eu que pergunto. Quem vai ser o primeiro a enrabar o
chefe?
Pausa. E mais uma pausa. E outra pausa, porque não teve como
prosseguir com o raciocínio a partir daquele ponto. Aquela dali foi a mudança
de ventos do Morro do Paraíso, literalmente. Até as correntes de ar cessaram
brevemente, só pra ver o show que estava prestes a acontecer nos portões do
verdadeiro inferno. Abner empinou o corpo de lado, deixou o roupão deslizar na
pele e desnudar completamente o físico crescido, forte, totalmente recheado. A
traseira se tornou ainda maior, contida nos elásticos da cueca jockstrap.
- Caralho, ch-chefe! Tipo... – Sandro se perdeu na visão das
coxas grossas. – Caralho, mermão!
- É hoje, Erick! – TH avisou e cutucou o amigo.
Mudo, CK não deu conta de processar tanta informação, se
mostrando incapaz de corresponder à presença onipotente do chefe seminu diante
de si.
- Puta que pariu, chefia! Isso é o que!? Vai sentar pros
traficante, filho da puta? HAHAHAHAUAHA! – o cafuçu malandro debochou, deu a
primeira apertada no caralho faminto por cima da roupa e esfregou as mãos, se
preparando pra comer BEM.
- Bem que tu queria, né, doidão?! Hehehehe! Vocês vão comer
traficante no lanche de hoje! – Pequeno apontou pra porta do barraco lateral à
boca e deu a ordem. – Abre esse setor aí, que a gente vai dar uma gastada. Vamo
fazer um rodízio pra geral aqui sair rindo e ainda fazer o outro rir.
Ordem dada foi ordem cumprida. Em menos de um minuto, lá estavam
os três sentados num sofazinho velho, num barraco abandonado e deixado ainda nos
tijolos e cimento. Eram os crias da boca de fumo, a verdadeira roda de
traficantes do Morro do Paraíso, reunidos em volta do mesmo chefe, da mesma
pessoa seminua. O trio admirava aquele rabão como se analisasse carne num
açougue, mas, na realidade, era Abner quem os manjava naquele momento e se
preparava para a carnificina.
- Quem vai ser o primeiro? – o capoeirista perguntou.
E, não mais que de repente, um Erick incapaz de conter a própria
excitação acabou ficando de pé na frente do sofá, do nada, bem rápido, primeiro
que os outros amigos. A perna mexendo nervosamente, o suor escorrendo no meio
do peitoral desenvolvido e descendo até os pelos abaixo do umbigo, de tão
aflito por aquele momento. A fome do malandro era grande, ninguém mais do que o
cafuçu sabia bem disso, por essa razão existia tamanha tensão sexual explodindo
em seu corpo bruto.
- Eu, chefe. – falou baixo, certo de tudo.
- Que surpresa, ein? Hehhehehe...
O volume da estaca logo ficou desenhado no tecido fino do short,
ele não teve como segurar tanto tesão. Sem pensar duas vezes, Pequeno passou o
braço no pescoço do capanga, puxou ele pra si e as bocas se encontraram em
ritmo acelerado, com os rostos já se movendo em sentidos opostos e tornando o
encaixe uma dança perfeita. CK estava como sempre esteve, sem blusa, só com
short caindo na cintura e a estampa da cueca boxer dando palinha. Conforme o
beijo explodiu, seu cheiro de perfume de malandro foi preenchendo Abner cada
vez mais, transformando o barraco numa verdadeira arena para o duelo daquelas
línguas. Ao mesmo tempo que isso aconteceu, o dono do morro também tratou de
puxar TH pelo braço e posicioná-lo exatamente atrás de si, fazendo daquela
pegação um verdadeiro sanduíche, com o negão no meio, um macho beijando na
frente e o outro roçando por trás.
- Gosta de sentir uma pica sarrando na portinha do teu rabo
assim, chefia? Gosta? SSsS! Já pensou quando eu te sentir por dentro e te
deixar todo marcado, ein? Hmmmff, hehehehe!
TH, que normalmente era o responsável pelas entregas de moto na
favela, também não conteve o tesão e sussurrou bem marginalmente por trás da
orelha do chefe. Enquanto CK era alto, moreno e ostentava um cavanhaque de cafajeste
no rosto bruto, TH era um entregador de pele mais escura, tatuada, e fazia o
estilo magro, do bigodinho fino e loiro, o cabelo batido e disfarçado na
máquina curta. Relojão no pulso, cordão no pescoço. Já tinha comido mais de não
sei quantas piranhas na época que morava no Amarelinho e agora tava ali,
sugerindo obscenidades ao pé do ouvido do dono do Morro do Paraíso.
- O primeiro a me deixar marcado vai perder a piroca no cano da
minha pistola! – Pequeno parou de trocar linguadas com CK só pra responder,
fazendo todo mundo rir. – Tenta a sorte, doidão, pra tu ver no que vai dar?
Hehehee!
Enquanto os três se pegavam e entravam em sinergia, Sandro
permaneceu ali sem saber o que fazer, onde exatamente entrar e como participar,
então optou por enrolar um baseado, enquanto observava os dois amigos se
envolvendo com Abner. Alessandro, também conhecido por Sandrinho, era um cara moreno,
da pele em tom marrom, os braços grossos, ombros esféricos, destacados do
corpo, e o físico parrudo, com uma leve pança protuberante. Careca, dos sovacos
peludos e ostentando as entradinhas do oblíquo, convidando pra ver o que
existia dentro do calção. Pernas peludas, rígidas e levemente arqueadas, os
pezões enormes, mas nada do cara tomar qualquer atitude, ele simplesmente ficou
olhando. Enrolando um baseado e olhando a cena.
- Vai ficar aí só de neurose, Sandro? – Pequeno provocou. – Tá
com medo, é? Hehehehe!
- Cai logo pra treta, paizão! – CK concordou.
- Vem, cria!
Mas o coitado do Alessandro não se moveu, só acendeu o baseado e
deu a primeira tragada, olhando bastante curioso pros movimentos sexuais dos
parceiros. A paciência do dono do morro acabou, Abner simplesmente puxou o
macho parrudo pelo braço e o colocou de joelhos à sua frente. Puxou o elástico
da jockstrap de lado, virou de costas e enfiou o rabão na cara do marmanjo.
- Chupa esse cu, chupa?! SSSS, isso, seu puto! Cai de boca no
cuzão do teu chefe, vai? HHmffFF, pilantra!
Todo pedido era uma ordem, por isso o traficante deu a cutucar a
língua quente e massuda no meio do anel de pele do patrão, todo suado e cheio
de pelos curtos em volta. Escuro por natureza, apertadinho e rosado por dentro,
características que deixaram todos ali muito excitados. Enquanto Pequeno não
parou de apertar o crânio de Sandro contra sua bunda, Erick começou a se
masturbar por cima da roupa, enquanto TH ficou apertando o caralho no jeans
surrado, mostrando seu semblante genuíno de macho faminto de cu.
- Dá uma pegada aqui pra tu ver como eu fico galudão num cuzinho,
chefe? – pegou a mão do capoeirista e apertou no próprio malote ereto, depois ainda
passou a roçar na lateral da coxa dele. – Seu filho da puta, eu tava ligado que
teu bagulho era piroca, putinho! SsS! Tá rabudo que nem as piranha do pornô,
sua cadela!
Sem medo, o chefe do Paraíso recebeu a sarrada pesada da piroca
latejando em sua perna, mas teve que apontar a pistola dourada no queixo do
capanga e corrigi-lo, ao mesmo tempo em que continuou forçando o cunete do
Sandro com a outra mão.
- Quem tu tá chamando de filho da puta e de cadela, doidão?! Perdeu
a noção?! – aí sentiu a linguada ferroando a lomba. – SSsSS! Isso, Sandro! Filho
da puta, mané! AafFff!
Tesão, violência, marginalidade, excitação entre machos, tudo
acontecendo no mesmo barraco, no mesmo setorzinho dos crias da boca de fumo. Só
roça-roça, só trocação e cunetada rolando solta, com um Sandrinho cada vez mais
suado e perdido nas linguadas certeiras no cuzinho latejante do dono do morro.
As mãos tentando separar as nádegas escuras de Abner, a boca aberta e a língua
conectada às entranhas do negão.
- SSSsS! Até que tu chupa bem um cu, seu puto! Soca a língua,
vai? Satisfaz teu chefe. HHmmFFF!
Ao mesmo tempo que pediu isso, Pequeno chegou o corpo pra frente
a meteu a cara na rola inchada de CK, por cima da roupa mesmo, deixando o
cafução tirado a malandro todo instigado e de pau na mão. Sem nem pensar duas
vezes, ele abaixou o short do capanga, deixou a caralha respirar e ficou
admirando o tamanho do taco do marginal, analisando a quantidade de pentelhos e
também o delicioso cheiro de macharia que exalou no ambiente. Rola preta,
grossa e veiúda, comprida e bem bonita, com a cabeça bem feita e destacada do
corpo engessado, repleto de veias e terminações nervosas.
- Qual vai ser, chefia? Vai dar aquela calibrada gostosa na
minha peça?
Erick perguntou quase sussurrando, sério, olhando pra baixo e
vendo os olhos negros do patrão olhando pra si. Nem precisou de resposta.
Lentamente, Abner só abriu a boca, agasalhou a pilastra envergada e parou
apenas quando sentiu o cabeçote inchado cutucando o fundo da goela. De pé, CK
torceu os dedos dos pés, sentiu um arrepio dominando seu corpo e olhou pro
alto, pro teto do barraco, numa reação involuntária de quem tava sentindo muito
tesão.
- ORrrsSSS! FFfFF! Carai, chefinho! Hmmfff...
Simultaneamente, Sandro não parou de devorar, cuspir, linguar,
morder, lamber, chupar, mordiscar, puxar, dedar, fazer de tudo com a auréola
elástica que era o cuzinho escuro e rosadinho do Pequeno. Boquete, cunete,
cucetete, tudo rolando ao mesmo tempo, no maior entrosamento, na maior troca de
suor, de fluídos e de testosterona entre os quatro machos suados, salgados e
marginais. Latejando de tesão, TH arriou o zíper da bermuda e liberou o
caralhoso grande, preto, tortão, boludo, pesado e sacudo, que facilmente se
destacou do restante dos outros caralhos ali presentes.
- Abre a boquinha pro pai, vai? – o entregador provocou, sabendo
que o chefe não era de acatar ordens. – Todo mundo na favela tá ligado que tu
curte pica, chefia, agora não adianta fazer cu doce. Até porque, o tempo passa,
mas meu pau continua não sendo diabético, não, viado! Tu tá é fodido na minha
mão! Hehehehehe!
Levando linguada no meio do alvo do cuzinho, Pequeno parou de
boquetar CK e ficou admirando aquela estaca de pica envernizada balançando
sozinha no ar, pedindo atenção e agasalho da garganta quente de novo. O cafução
malandro ainda estava arrepiado, suando frio e delirando no tato incandescente
da língua do patrão, tanto é que levou alguns segundos até se dar conta de que
Abner havia parado de chupar. O dono do Paraíso fez isso pra olhar na cara de
TH e responde-lo.
- Tu tá pensando que eu sou as piranhas do Complexo, que tu come
e usa, moleque?
Mandou a pergunta e engoliu o meio metro de tronco escuro e
massudo no fundo da goela, deixando o marginal arrepiado de prazer, que nem CK
ficou no começo. Os pelos do físico mavambo e definido do entregador logo se
ouriçaram, conforme a garganta macia, aconchegante e muito convidativa do negão
capoeirista comportou sua pilastra massiva
- ORrrSSSS! FffFf, caralho de boca quente! SSS!
Vendo a cena, Erick aproveitou e começou a implicar com o amigo
do corre.
- Ué, TH? Pelo visto o tempo passa e tu não muda, né? Não tava
querendo me gastar outro dia, comédia?! Agora tá ganhando mamada? UAHUAHUA!
- Ih, qual foi?! Se manca, tô só de onda, pô!
- De onda?! Duvido! Até parece que eu não tô ligado na tua, isso
sim! Hehehe!
Os dois parceiros trocando zoações e revezando o mesmo crânio, a
mesma boca, as mesmas amídalas, língua e boca faminta. A saliva de Pequeno se
misturava com a pré porra que saía da caralha de um e depois ia parar na rola
do outro, ao ponto de vira e mexe as cabeças se encontrarem dentro do mesmo
ambiente bucal de Abner e até se tocarem, roçarem firme uma na outra. Duas
picas massivas e juntas na mesma boca, enquanto Sandro suava e quase desmaiava
na deglutição do cuzinho do dono do morro. Um Complexo do Céu na Terra
padecendo nas deliciosas chamas do inferno carioca.
- OrrrFFFfF! Puta que pariu, chefe! Tu é bom no que faz, ein?
Porra!
- Boquete de marginal é brabo, né, TH? – Abner parou a mamada só
pra bater com a caralha grossa contra o rosto e lambê-la. – Será que preenche
minha boca toda?
Ouvindo isso, o morenão não teve como não latejar e socar mais
trolha no fundo da goela do dono da favela, diretamente no meio da garganta,
fazendo de tudo pra tentar engasga-lo na marra. Mas ele não conseguiu nem
chegar perto de fazer o patrão tossir, mesmo sendo bem dotado, e isso foi
deixando TH visivelmente nervoso, acelerado, cada vez mais suado.
- SSsSS, orrsSsS! Profissional mesmo, ein, chefinho? Puta merda,
fffff...
Gemeu sincero, quis dar tapas no patrão, mas se controlou,
desfrutando das escorregadas do cabeçote inchado mergulhando na goela do
marginal. Ao mesmo tempo, Sandro não parou de brincar de friccionar o dedo na
porta do cu exposto de Abner, que passou a rebolar e a gemer na sensação do
toque bruto do parrudo abrindo seu tato. Dois dedos quentes e babados já
atolados até o fundo do rabo.
- Isso, putinho! Passa vontade não, pode engolir mais, que eu
sei que tu aguenta, chefinho! SsSSS! Tu tem mó cara de piranho, eu tava ligado
na tua! OrrSS!
- Eu sou piranho sim, doidão, e do pior tipo, tu não tem noção!
– Pequeno deu a resposta e largou um tapa em cheio na cara do meliante, de
propósito. – Isso, seu filho da puta! Me engasga que nem homem, porra!
O dono da favela segurou o talo grosso de caralho babado na mão,
arregaçou o prepúcio espesso e emborrachado e deixou o cheiro de pica tomar
conta do ambiente. Em seguida, Abner mandou brasa, caiu de boca e encheu as bochechas
com o gosto salgado e quente da pica. Quase lacrimejou de nervoso, mas não
tossiu, e essa maestria fez TH quase explodir no orgasmo ali mesmo, de tão à
flor da pele que ficou.
- AAAfff, que filho da puta, mané! SsSS! Engolindo tudinho no
talento, caralho...
- Não foi o que tu pediu, doidão?
- OrrSssS!
Na ponta dos pés, com a pistola na cintura e o boné pra trás, TH
fez pressão com a cintura no rosto do capoeirista e tomou mais tapas na cara
por esse abuso, sendo a todo momento instigado e provocado pelo negão
especialista em mamada. Dominador e agressivo, Pequeno enfiou dois dedos na
goela do marmanjo, ao mesmo tempo em que era alargado nos dedos de Sandro,
massageava as bolas de CK e agasalhava a caceta preta de TH nas amídalas. Essa
cena modificou a visão que cada um dos três machos possuía do patrão.
- Tira a mãozinha, tira, chefinho? – Erick pediu com um falso
carinho, alisando o rosto de Abner e balançando a chapoca na frente dele. – Me
mama na melhor forma, vai? FfffFf!
Ele olhava pra baixo e via a pistola sendo deglutida quase que
junto do mastro inchado do parceiro TH, ao mesmo tempo em que Sandro não parava
de cutucar e futucar o cuzinho dilatado e mordido do chefe do morro, tendo sua
cabeça pressionada insistentemente contra o rabão suado e arreganhado em sua
fuça. Nada de parar de dedar, de chupar e de massagear aquele anelzinho, na
base da língua e também dos dedos. A boca do careca parrudo já estava lotada do
gosto do suor de Abner, fazendo a piroca despontar ferozmente debaixo da roupa
surrada. O marmanjo ficou tinindo de tesão, sem jeito de falar e até sem saber
como se comportar, devido ao falo majestoso e gordo chamando atenção no volume
entre as pernas. Pra completar, mesmo após ter preparado o chefe, Sandrinho
permaneceu com o cheiro da curra permeando os dedos e os beiços, ficando num
estado quase que permanente de ereção.
- Vou te dar o papo, chefia? Bagulho é tacar pica nesse teu rabo,
tá ligado? Hehehehehe! Fala tu, CKzão? Cu é cu, né não, meu parceiro? Tem
diferença nenhuma não! Hehehehe! – TH instigou e foi se fazendo no calor do
momento.
- E quem é que vai me comer? Tu?
- Tá pensando que eu não te passo a vara, não, chefia?!
Hehehheeh!
Mal o entregador disse isso, já foi descendo a mão nas costas do
patrão e chegando na raba avantajada, procurando pelo cuzinho explorado na boca
e nos dedos de Sandro. O parrudo caralhudo, por sua vez, permaneceu preso no
estado de ereção, de pau duraço no calção, por conta do cunete agressivo que
teve que pagar. Ele sabia que aquela cuceta só seria facilmente preenchida
graças ao seu esforço bucal em alargá-la.
- Preparou essa rabiola do jeitinho que eu gosto, Sandrinho? –
TH continuou instigando, enquanto apertava o lombo de Abner e ria. – É hoje que
eu vou lanchar uma bunda! Hehehehe! Não vô não, chefia?
- Só dois dedos, que é pra não ficar muito larguinha. –
Alessandro respondeu, apertando a bengala bruta por cima da roupa. – Nada mais
gostoso do que uma cucetinha apertada de fábrica, né não? Hehehehee!
- Porra, então já tá no ponto! Arrebita o cuzão pra mim,
chefinho.
- E tu acha que dá dentro comigo, doidão? – Pequeno não deixou barato.
– Já falei pra tu não me confundir com as piranha do morro, num já, TH?
- Ué, e tu acha que eu não te como, não, Pequeno? – o entregador
não resistiu e já foi tomando posição.
- Comer, qualquer um acha que come, doidão. Mas e me botar pra
gemer, tu acha que consegue?
O chefe da boca deu um tapão na própria bunda empinada, bem
rígida e dura, e provocou o traficante entregador.
- Então vem na minha direção, maluco! – deu o ultimato. – Brota
no meu barraco, que essa eu quero ver.
O capoeirista abriu os portões do inferno: ficou de quatro no
sofazinho, arreganhou as nádegas e mostrou a dimensão minúscula daquele anel
escuro por fora, rosado por dentro e cheio de pelinhos curtos ao redor das
pregas, perfeitos pra pinicarem o saco quando o caralho entrasse completamente
no buraco. Vendo isso, Sandro e CK não tiveram reação. TH, por sua vez, não
quis perder tempo e desejou se impor de alguma forma, então trocou de posição,
passou a verga grossa pro lado de fora da roupa e se posicionou exatamente na
traseira macia do chefe, pronto pra mergulhar no fundo do rabo arreganhado
diante de si.
- Teu pedido é uma ordem, chefia.
– o entregador avisou.
Com Sandrinho tendo pré trabalhado a língua e os dedos naquela
rabeta, o traficante TH esfregou a chapoca inchada do vergalhão contra o
anelzinho tímido e todo babado, fez um pouco de pressão e foi escorregando pra
dentro sem dificuldades, desfrutando do caloroso atrito inicial entre a vara
robusta e as paredes do cu apertado e quentinho do patrão.
- FFFfssss, caralho! – as mãos fechadas em forma de soco por
cima do lombo, as coxas se conectando integralmente à traseira das pernas do
negão e a respiração do macho entregador já ficando ofegante, tamanha pressão
inicial da penetração marginal. – É disso aqui que tu gosta, é, ladrão?!
OrrrFFF!
De quatro, arrebitado e completamente arreganhado, Pequeno
permaneceu mudo, sem dizer absolutamente nada. Mas sentir ele sentiu, porque o
calor e a ardência do início da cruza o fizeram arquear e soltar as costas
lentamente, ao mesmo tempo em que as pregas e o esfíncter se alargaram pra
permitir a locomotiva de caralho do TH dentro do ânus. Foi delicioso, mas Abner
não gemeria tão facilmente, só de implicância com seu segurança.
- Caralho, SSSS! Que cuzinho guloso, chefia, já me engoliu
todinho, ó? – o pilantra olhou pra baixo e viu a marreta sendo devorada no meio
do anel elástico e cheio de pressão. – ArffsSS, tu vê que esse cuzinho é
certinho pra tomar vara, ó só? Tem até apoio pro saco, fffff!
- MMfff... – o dono do Paraíso quase soltou o gemido, mas se
concentrou, relaxou e não deu o braço a torcer, nem o cu.
Mal entrou, TH já foi saindo e entrando outra vez, sem dar pausa,
no pelo e na pele. Botou uma das pernas por cima do sofá e foi metendo firme,
acelerando sem dó. O barulho do choque dos corpos foi crescendo e dominando os
ouvidos de todos naquele barraco. A sensação de ser tomado por dentro explodiu
junto com a onda de prazer pela presença da caralha entrando e saindo, mas
Abner não liberou qualquer gemido, nem mesmo quando o macho fodelão ficou na posição
da rã por cima dele.
- OArrrsss! Caralho, chefia!? FFFFFF!
Só socadão de quatro no fundo do cuzinho, os outros machos ali
perto, olhando tudo, e o capoeirista se concentrando em levar pica sem gemer.
Foi aí que, cheio de tesão e batido pelo cabeçote por dentro, Pequeno
simplesmente começou a rir, numa evidente demonstração de deboche às estocadas
de TH. Vendo essa cena, o entregador caralhudo não teve como não ficar ainda
mais empedrecido dentro daquele cuzinho tão macio, tão quente e apertado como o
do dono do morro. Pareceu uma marreta dando bigornadas quentes contra as
entranhas aconchegantes do traficante, sentindo as vilosidades massageando o
mastro veiúdo, ao mesmo tempo em que extraviava e alargava o anel elástico no
bruto.
- Soca fundo no cu dele, soca?! Soca essa piroca toda bem no
fundo do olho do cu desse filho da puta, pra ele tomar no cuzinho e rir ao
mesmo tempo!
Um Sandro descontrolado e tarado fez o pedido, não conseguindo apenas
observar. Depois de dizer isso, o parrudo cacetudo parou na frente de Abner
tomando no rabo na poltrona, chegou o corpo pra frente e começou a esfregar a
pentelhada suada e cheia, com cheiro de macho do corre, bem nas narinas do dono
do morro.
- Coé, chefinho, sente só o cheiro desse bifão de pica aqui, ó?
A minha é mais cheirosa, saca o cheirão de cria? Hehehehehe! Tô ligado que tu
se amarra, né?
Sendo amassado por trás, Pequeno abriu a boca e tentou mordiscar
toda a grossura da pilastra do Alessandro, mas não conseguiu, de tão obesa
aquela massa avantajada de caralho. O maxilar chegou a ficar dormente, por
conta das tentativas de fazer jus e amassar a caceta na boca, pra não falar do
cheiro forte de suor, testosterona e tesão, exalando dos pentelhos do marginal.
- Qual foi, tão achando que isso aqui é bagunça, é, seus puto?!
SsSSS!
- Tá sentindo eu te bagunçando por dentro, tá, chefinho? –
prendendo o negão pelos ombros, TH só deixou o corpo soltar e cantar
insistentemente contra a traseira, extraindo o máximo do barulho das sacadas na
porta do cu. – Tá do jeito que tu se amarra, tá? FFFfF, filho da puta, mané!
Vendo a cena, CK e Sandro não sabiam se sentiam prazer ou
nervoso, de tão aficionados pela extensão da estaca sumindo com facilidade no
botãozinho escuro e rosado do patrão. Era literalmente a cuceta mastigando toda
a peça de calabresa, centímetro por centímetro, polegada por polegada de pica,
tudo de uma vez. Indo e vindo no fundo, ao ponto das bolas baterem na portinha
e ricochetearem por dentro do saco, agitando todo o sistema sexual da conexão
entre aqueles machos suados, marrentos e esbaforidos por sodomia.
- Achou que ia ficar com essa raba pra cima e pra baixo na
favela sem entrar em vara, chefia? SSsSS! Hoje tu vai perder a rabiola na minha
pistola, tá escutando?! – solto, TH deixou o fogo explodir e aplicou a primeira
e última tapa forte na lateral do lombo do negão, sem pena de marca-lo. – OrrrFFF,
mastiga minha pica toda com esse xerecu, mastiga? FFF!
Sentindo a quentura das mãos do marginal impressas em sua carne,
Abner revidou com um tapa no meio do peitoral do entregador caralhudo, agarrando-o
pelo cordão de ouro e o segurando firme, bem brusco. Em seguida, Pequeno jogou
o marmanjo no sofá, de pau pra cima, e já foi sentando com gosto naquele
mármore de caceta, pronto pra mostrar ao safado do que era feito.
- No meu barraco quem manda sou eu, doidão! Tu quer me botar pra
gemer? Então já é, agora tu vai me dar prazer e me botar pra gemer até o fim!
HmmmSS!
Deu um tapa na cara do comilão e ficou apertando o rosto dele, querendo
ver TH cara a cara, sem deixar o entregador caralhudo apertá-lo ou batê-lo,
apenas comê-lo. Quicando com gosto, rebolando, mexendo e remexendo, Abner fez
força e deixou o marginal louco, pronto pra levantar voo da poltrona. O puto
chegou a se prender com as mãos firmes nos braços do sofazinho, tentando manter
os pés fixos no chão, todo contorcido, segurando pra não delirar no atrito do
cu apertado, quente e macio do capoeirista.
- AAinhn, FFF! Agora sim, porra!
- OrrrFFF! Caraio, chefia...
O dono do Paraíso rebolando, cavalgando e deixando todo o ânus
encapar a integridade massiva da lapa de caralho que TH possuía entre as
pernas. As bolas do safado sacudiam que nem pingue-pongue, de tão agitadas e
saltadas nos impactos entre cu e pica. O cheiro do baseado subiu e, diante de
si, Pequeno sentou na piroca e viu Sandro fumando e botando a vara gorda pra
fora do short.
- Ainda não tá de boca aberta, chefinho? Hehehehe!
Apontou a saída da uretra na direção dos lábios do patrão,
arrastou a cabeça escura do picão gordo na boca dele e teve a passagem
concedida, escorregando pela parte áspera da língua e caindo lá no fundo da
garganta facilmente.
- HHHmSSS!
- OrrrFFFF! Isso, soca, filho da puta! – Abner não se conteve,
cavalgando com força e dando conta de engolir a viga obesa do parrudo à sua
frente. – GGMhhSS!
- Fffff, isso, caralho! Chupa esse piru todinho, vai, chefinho?
Que nem tu tava fazendo minutos atr... Porra! OrrrSSSS!
Ele nem precisou finalizar o pedido, pois logo o cabeçote
inchadaço da bengala se perdeu no fim da goela do negão, loteando Pequeno de
uma ponta à outra. Dois movimentos distintos acontecendo em sentidos opostos
dentro de seu corpo, dois machos mandando ver e ele se saciando no máximo da
luxúria carnal, preenchido fisicamente por duas forças masculinas completamente
diferenciadas. TH fincando a estaca no cu por baixo, Alessandro pescando com a
rola por cima e revezando a boca do patrão com um Erick cada vez mais excitado.
- SSSS! Tá querendo me apaixonar, chefinho? – Sandro gostava de
botar pra mamar e instigar com palavras, verdadeiro putão tarado. – Assim eu só
vou meter o pé quando teu queixo já tiver dormente de tanta bolada e com o
cheiro do meu saco, seu puto! HHmmFFFF! Isso, engole a bola, vai?
Cheiro forte de maconha, o parrudo com os braços pra trás, meio
que em pose de sentido, e só desfrutando da boca de veludo patrocinando a mais
profunda mamada que já havia recebido na vida. De tão excitado, seu cheiro de
macho putão, salafrário e marginal tomou conta do boquete, deixando tanto
Pequeno quanto o próprio Sandrinho arrepiados. Na boca do traficante, o baseado
aceso e ele ficando na onda da maconha enquanto ganhava um boquetão
profissional, com direito as bolas sendo atenciosamente massageadas pelas mãos
do dono do morro. Enquanto isso, TH se fartando de meter.
- FFffff, será que tu consegue fumar o baseado e chupar minha
vara ao mesmo tempo, chefia? – foi CK quem instigou. – Bora fazer o teste?
Hehehehe!
Chegou o corpo pro lado, sacudiu o caralho escuro e corpulento
na frente do capoeirista e logo foi engolido, voltando a sentir o tesão se
espalhando pelo corpo, só no poder da boca cinco estrelas de Abner. Em
revezamentos, Pequeno tragou da maconha, voltou a mamar e só depois soltou a
fumaça no ar, fazendo o trio de machos maloqueiros achar graça da cena de
luxúria.
- Profissa mermo, ein, chefia?! Putão treinado!
Por baixo e só levando cavalgadas intensas, TH se agarrou com as
mãos no lombo do patrão, estancou o corpo e cravou fundo com a bigorna ereta
entre as carnes aconchegantes do negão, gemendo e arrancando um gemido sincero.
Era a união mais fiel que dois, três, quatro machos poderiam ter entre si,
todos eles abertos, arreganhados, expostos e grudados sexualmente uns nos
outros.
- AAaihnSSS! Isso, filho da puta, rasga meu cu, porra! FFfFF!
Faz que nem macho, seu arrombado! – Pequeno parou de mamar só pra soltar o
verbo. – Me fode, TH! Me fode, porra! SSsSS!
- Tô fodendo, chefe! Tô te sentindo todo, seu filho da puta!
Hmmm!
O entregador levou um tapa na cara pelo abuso, ficou puto por
isso e, raivoso e truculento que só, acelerou, quase que realmente rasgando a
extensão daquele cuzinho tão diminuto, aquecido, aconchegante, carnudo e
apertadinho. Chegou a ser inacreditável que uma caralha tão arrogante, tão
bruta, imensa e veiúda fosse capaz de consumir todo o espaço disponível no vão
daquele anelzinho rosado e preto, cheio de pelos curtos. Mas era o que tava
acontecendo, com toda a grossura e bruteza da uretra tubulosa ajudando a
expandir a musculatura anal do dono do Paraíso, enquanto o capoeirista sentava,
deslizava, cavalgava e dançava por cima do poste de piroca.
- Fode esse cu todo, fode, TH?! FFFF! Arrasa meu lombo, seu
desgraçado! – no auge do tesão, Abner segurou a pistola cromada em ouro e
apontou no queixo do malandro deflorando sua bunda. – FODE, PORRA! TÔ MANDANDO
FODER, CARALHO! QUERO OUVIR O BARULHO DESSE SACO ESTALANDO NO MEU RABO, SEU
PORRA! SSSSS!
Brasas afloraram do Complexo do Céu na Terra. Aquele era o solo
do inferno criado por Pequeno e sua vontade inflamável de se libertar. Sentado
no colo de um, mamando outro e punhetando um terceiro, o dono da favela sentia
três espécies diferentes de cobras se arrastando em seu corpo, cada uma de um
jeito, de um tamanho diferente e com uma fome distinta. Era como se elas
rastejassem por baixo da pele do negão, prontas pra se enroscarem por todo seu
corpo e darem o mais delicioso bote que ele já havia sentido na vida,
completamente preenchido, cercado e saciado de machos prontos para
satisfazê-lo. Um por baixo, outro por cima, um do lado e ele sentado, sendo
marginalmente enroscado. Homens eram como serpentes.
- FODE, PUTO! FODE!
- Pode arregaçar, chefia?! OrrFFF!
- DEVE, PORRA! SOCA, VAI!? PARA NÃO! SSSS!
O estalo das botadas e do saco de pancadas ricocheteando no
períneo de Abner foi o que preencheu o som do ambiente, seguido dos gemidos
incessantes dos dois machos trepando. Era só prosperidade no Morro do Paraíso.
- SSsS! Gosta de comer cu de traficante, é, pilantra?! Então
soca, vai!? FFff! Soca firme, filho da puta! Comilão da porra!
Aflito e dilacerado em prazer, Pequeno ficou de pau durão
enquanto deu o cu, causando um pecaminoso efeito de contração anal. Essa reação
física apertou e mastigou ainda mais a vara borrachuda do TH penetrada em seu
ânus, resultando num aumento súbito de prazer. Entre outras palavras, Abner
contraiu o cuzinho, deglutiu a vara envergada dentro de sua carne e ainda
remexeu o quadril, só pra dançar por cima do tronco e fazê-lo dobrar em seu
interior.
- FFFF, CARALHO! Assim eu vou gozar rápido, chefia! Que isso, tá
do caralho isso daqui! SSsS! – os dedos dos pés de TH não paravam de se mexer,
de tanto prazer que o entregador sentia naquelas quicadas violentas e perversas
do dono do morro. – Assim tu vai me ver amarrotando esse cuzinho de porra
grossa, chefinho! OrrFFF!
- Ué, já vai gozar?! Não era tu que pagava de comedor lá no
morro onde tu morava, doidão? – sentando, rebolando e galopando na trolha, o
negão não se segurou e só fez acelerar. – Não foi tu que uma vez ficou
descontrolado e tacou vara na irmã, no irmão, na mãe e no padrasto da namorada,
seu pilantra?! Caozeiro! Comeu geral e agora vai me negar meia hora de pica?
FODE, PORRA! FODE BRUTO, VAI?! Cansou?!
Envolto na mais aconchegante e saciante luxúria, Abner foi
quicando e piscando o cu, sentando e massageando a caralha com as paredes da
rabiola, deslizando e mascando meio metro de pica larga com a pressão das
pregas devorando o salame. Com os dedos dos pés se contorcendo, os olhos quase
revirando e o saco perto de explodir em tesão líquido, TH se prendeu firme na
lomba do chefe, abriu os braços e se largou no sofá, sendo verdadeiramente
finalizado. O suor escorrendo feito banho, o físico exausto e as bolas virando.
- ORRsSSSFF! Caralho, Pequeno! – o entregador mordeu a boca,
fechou os olhos e ficou com o corpo todo esticado, envergado com o vergalhão
pra dentro do cu consumista do patrão. – AArFFF! Filho da puta, mané!
- Isso, porra! FFFfF, caralho!
Desgovernado e doido pra atropelar a carne quente e macia do capoeirista,
TH se conteve e só aceitou os tapas que levou, ficando cada vez mais exaltado,
mais quente, mais fervoroso e em ebulição por dentro. Até que ele se perdeu em
tanta carne e atrito, fincou os dedos na anca das coxas do negão e se esfregou
todo por dentro, penetrado, pulsando e desfrutando da última ferroada no meio
das entranhas do chefe.
- HHMMFfssSS! OrrrSS, orrfFF!
- Que delícia, caralho! OhnnSS!
O cria da boca liberou várias e várias ejaculadas seguidas no
fundo do cuzinho apertado, aconchegante e aveludado. Feito na medida certa pra
pica robusta, veiúda, larga e pentelhuda tipo a sua, com cheiro de mijo, grossura
de malandro metelhão que fica à toa pela rua, só esperando pela oportunidade de
dar uma empurrada e esvaziar o saco. Foi exatamente isso que o entregador fez
ali, se esticando e tremendo o corpo arrepiado.
- FFFfF! Carai...
- Tesão da porra, né?
- Gostou de foder comigo, chefia? Hehehehehe! – limpou o suor da
testa, mas não saiu de dentro.
Sete, oito golfadas gordas de gala quente foram injetadas
diretamente no olho do cu de Abner. O capoeirista tava todo melado, também
chegou perto de gozar, mas ainda assim não desistiu de cair de boca nas rolas
de CK e Sandro, que estavam parados à sua frente, vendo a cena e se excitando
com tudo aquilo. O cu pareceu uma couve flor gratinada, largo e gasto no
excesso de leite que começou a vazar pelos lados, mesmo sem TH ter desplugado a
piroca ainda.
- SSsSS, que sensação gostosa do caralho, ein, chefinho?
- Gostou de comer traficante, doidão? Hehehehe! FFfFF!
Tudo rolando debaixo do mesmo barraco, com muito calor, tesão,
suor aflorado e o cheiro salgado dos machos do verão se misturando com o da
maconha. Muito fogo saindo de dentro do chão. Pra completar, revezando o
baseado, eles foderam e ainda passaram loló entre si, baforando e ficando
tontos, chapados no meio do prazer. Lambida aqui, chupada ali, linguada lá... De
plantão, os traficas estavam suados desde o começo da tarde, considerando o
horário do último banho, então aquela foi literalmente a mistura total da
natureza rústica e cheia de testosterona entre eles. Lá no alto do morro,
dentro da biqueira.
- Quem diria, ein, ladrão? – CK olhou pra baixo, viu sua trolha
sendo engolida até o talo e tentou falar sem se perder nos gemidos. – FFfFF...
Paga de mandão, mas engole uma vara no cu que é uma beleza, né? Hehehehe. SsSS!
Pequeno só parou de mamar pra responde-lo, ainda sentado no colo
de um TH exausto da trepada violenta.
- E quem falou que viado não pode ser mandão, doidão? Que ideia!
- Tá certo, chefia, tá certo! – Erick incentivou. – Tem que ser
assim mesmo, tá errado não.
Aí sacudiu a pilastra na frente do rosto do negão, ensaiou uma
punheta e provocou.
- Inclusive, vai dizer que tu não tá doidinho pra me guardar
inteiro nesse cu? Fala tu? Não quer, não, chefinho, me sentir queimando e
enchendo teu brioco?
O dono do morro olhou pra cima, viu aquele cafução malandro
pedindo com a maior cara de sem vergonha e não teve como negar. Pra completar,
a sensação incandescente da tromba meia bomba de TH estava proporcionando o
melhor de todos os tatos do prazer.
- Tu fala de um jeito tão vagabundo, tão cachorro, que me deixa
mesmo com vontade de te dar o cu. Mas vai ter pau pra me comer? – o capoeirista
mandou na lata.
- Porra, só se tu tiver uma boa lapa de cuzinho pra agasalhar
minha piroca inteira, chefia! Hehehehe! – não perdendo tempo, Erick deu um
tapinha no ombro do parceiro entregador e já foi se adiantando. – Coé, libera a
vez aí, meu padrinho! Bora, bora, canta pra subir!
- Tem certeza? – o colega do corre respondeu, ainda suado e
tentando se recompor dar sentadas truculentas que recebeu do patrão. – Deixei
esse xerecu cheio de leite, maluco. Vai querer misturar?
Mas o cafuçu traficante nem se abalou.
- Agora que já tá cheio de porra, vamo lotar, né? Hehehehe! É o
que o chefinho quer, é o que ele vai ter, pode deixar com o paizão aqui. Fica
de quatro pra mim, fica, chefia?
CK foi pra trás do negão, posicionou o lombo empinado e, sem
cerimônias, encaixou a caralha preta na porta arregaçada e esporrada, depois
foi enfiando, lentamente, tentando sentir o encaixe da peça sendo revestida
pela carne quente do cu inchado e carregado de esperma grosso. Não levou três
segundos, o pilantra pôs Pequeno curvado com a raba pro alto e começou a socar,
desfrutando de toda a intimidade que ele queria ter com o patrão nos últimos
tempos. Ainda por cima, usando a gala densa do parceiro TH como lubrificante,
ou seja, tava tudo muito escorregadio e quentinho, do jeito certo que pica de
malandro gosta de ser agasalhada.
- OrrrSSS, caralho, que sensação gostosa! Hmmmfff, apertadinho,
macio e quentinho, porra! AarSSS!
- Aaihnfff, seu pilantra! Curte mermo foder rabo, é? SSsS, achei
que era caô!
- Caô?! Porra, me amarro! Ainda mais se for o teu! Orrffff! Me
guarda no cuzinho, vai, chefe? SsSSS! Me atola no teu buraco, vai? Isso, FFF!
- HmfFFF, safado! Amarrota a cuceta do teu cria, vai? Puto,
cachorro! Soca, porra! Soca, Erick, FFFF!
Sorridente e realizado, CK tacou a piroca pra dentro no ritmo
acelerado de mavambo, só querendo liberar leite e mostrar o quão carregado
estava ao longo de todo esse tempo. Enquanto isso, na frente, Sandro se viu
sozinho pra ganhar uma mamada sem competição, já que TH permaneceu no outro
sofá, só observando a fodelança.
- Soca pica no cu do chefe, soca!? Hmmffff, gosta de comer cuzinho
de traficante, seu puto?! Pilantra, comedor de viado! Comedor de bichinha,
fffff! Tu tá comendo um viadão, sabia disso!? E tu é outro viado do caralho, é
todo mundo viado nessa porra, gffffff!
- Tô nem aí, o bagulho é te encher de esperma quente! Orrsss! Fode
esse cu no meu pau, fode!? SsSSss! Isso, puto! Sempre quis te tacar vara,
chefinho, mesmo antes de saber que tu curtia dar a bunda, tá ligado? HmmssSS!
À vontade, Erick chupou a boca de Abner e deu tapinhas leves na
cara do negão, querendo instiga-lo. Simultaneamente, o malandro inchou a cabeça
da piroca bem envergada, justamente quando empurrou o mastro na próstata do
parceiro. Isso trouxe uma sensação descomunal de derretimento por dentro,
deixando Pequeno com as pernas bambas e a visão tonteando de prazer. Como se
nada disso bastasse, CK massageou os mamilos do patrão e o possuiu em todos os
ângulos possíveis de cintura, mexendo até pros lados, só pra ter a certeza de
que tava abrindo o que ninguém abriu antes, nem mesmo TH.
- Me come com gosto, doidão! SsSSss! Safado! Puto, hmmmf!
- Não tô te comendo, não, chefia, eu tô é te devorando! Tô
banquetando esse lombo, que é pra ele saber que vai ser meu, Bezinho! ORrrFFFF!
“Bezinho”. Realmente... Existia um fogo ardente entre Erick e
dono do Morro do Paraíso. Só isso poderia explicar as reações e gemidos
enquanto arregaçava com o cuzinho inchado do patrão na frente de todo mundo,
sem hesitar por um instante. Lá no fundo, Abner sentia a estaca corpulenta
rastejando por sua tubulação de carne e quase que fazendo a curva nas
entranhas, abraçando e apertando deliciosamente a próstata. Estava chapado e
entregue, adorando e sentindo tudo no extremo.
- MACHUCA, VAI, MALANDRO? PISTOLA ESSE RABO, PUTO!
- Eu vou acabar te machucando, patrão! Tu vai acabar saindo
fuzilado do meu AK, porra! SsSSS! – o marginal fodia e mexia com a arma de fogo
presa nas costas, cravejando pica grossa por todos os cantos do cuzinho
inchado. – Tá querendo que eu te machuque sério, seu viado?! FFffF!
- MACHUCA, PORRA! Não é tu que tem mania de mandar os outros
pararem de frescura!? Então para de frescura e me fode, pilantra! Mostra que tu
é melhor que o TH, fica com ciúme dele não, ffFFF!
Ao ouvir isso, o cafução se soltou. Segurou as ancas do dono do
morro, apertou as mãos ali e só deixou a cintura cantar no rego, atropelando
carnes, entranhas, vísceras, pregas, músculos, esfíncter, tudo junto. O BARULHO
FOI DAS COXAS DO PILANTRA RICOCHETEANDO NA PARTE TRASEIRA DAS PERNAS DE ABNER.
“Pá, pá, pá, pá, pá”, só sequência de batida ecoando pra fora das janelas
inacabadas do barraco balançando no topo da favela. As bolas vermelhas, suadas
e nocauteadas com as batidas contra a porta do ânus amassado do negão
capoeirista. Suor, fluídos, testosterona, tudo misturado na boca de fumo.
- AAIHNSSsSSS! ISSO, PORRA! ME FODE, CARALHO! FFFF!
- Quero socar leite no teu cu, mas não é só gozar lá dentro, não,
é gozar e continuar socando, pra estocar, até virar papa! AArSSSS! Quero papa
da minha porra dentro dessa bunda, chefia! FFffssS! Tem mó tempão que eu tô
juntando leite no saco só pra tu. Já comi tudo quanto foi puta, mas só me vem
tua fuça na mente, até quando tô montado assim em cima delas, ó?! SSSS!
Embruteceu o corpo, montou por cima e voltou a foder, quase
chegando a deslocar o sofazinho de lugar, de tanta pressão. O excesso de entrega
deixou TH e Sandro visivelmente curiosos por aquela intimidade profunda que os
dois possuíam, afinal de contas, ambos testemunharam Pequeno não tendo qualquer
reação violenta diante do domínio passional com que Erick o possuía. A química,
a física e a biologia que eles compartilhavam era explosiva e inegável. E a
matemática também, é claro, porque tudo começou na probabilidade que Abner
criou sem querer, quando decidiu dar abrigo a 142 traficantes provenientes de
outro morro do Rio de Janeiro.
- Dá uma moral aqui, dá, maluco? – Sandro pediu mamada,
sacudindo a caralha na frente do negão de quatro. – Não me deixa com frio, não,
chefia.
Adorando aquela servidão de prazer, Pequeno enfiou o cabeçote do
caralho do cria na boca, depois tirou e deu com ele na cara, enchendo a língua
no peso exorbitante das bolas massudas do macho parrudo. Mamou cada um dos ovos
enquanto tomava no cu e encarava Alessandro nos olhos, sentindo os culhões do
marmanjo enchendo sua boca do gosto de suor do trabalho na boca de fumo, ao
mesmo tempo em que tinha a rabiola extraviada nas estocadas ferroantes de um CK
cavaludo e exaltado em prazer anal.
- Assim que eu gosto de vê, chefinho! SsSS, mama olhando pra
mim, isso! – Sandrinho instigou. – Mama rindo, enquanto toma no cu, vai?
OrrrSSS!
Abner engoliu tudo e deixou o marginal ficar lá no fundo da
garganta, brincando, focado em foder goela a todo custo. Naquela posição,
Sandrinho suava e deixava o suor pingar na cara do dono do morro, encharcando o
ambiente com o cheiro forte de seus hormônios. Em volta deles, TH observando a
putaria e CK acelerando na traseira do chefe, fazendo os olhos de Pequeno
revirarem. O capoeirista quase desmaiou, de tanto prazer espalhando em ondas
pelo corpo.
- OrrrSSSsSS! Deixa eu testar uma parada aqui, rapidão!
O caralhudo parrudo travou firme a mão enorme na nuca do patrão,
depois jogou a glande rígida na goela e foi até o talo, amortecendo o peso das
bolas diretamente no queixo suado e babado do negão. O gosto e o cheiro forte
de mijo tomaram conta da boca, revelando há quantas horas aquele marginal tava
de plantão no corre da favela. Sentindo isso, Abner passou a mamar cheio de
fome de leite, como se dependesse daquilo pra viver, ao mesmo tempo em que empinou
a lomba, arreganhou o cuzão e ficou todo à vontade pra mira afiada de Erick.
- Caralho, que cuceta é essa, mermão?! FFfFF, puta que pariu! –
CK se soltou.
- Essa raba aí é original, paizão? – Sandro quis saber. – Do
jeito que eu tô, é capaz de eu lotar a boca do chefinho aqui mesmo, na moral! SssSSS!
- Original de fábrica, pô! Tu tem que ver o cuzinho dele, mó
responsa! – o pilantra respondeu, ferroando sem parar o anel arregaçado e todo
vermelho. – SSSsshH, caralho, nunca comi um cu assim! FFffF!
Na frente, Alessandro baforou lança perfume, enquanto desfrutou
da garganta profunda chegando no ápice do prazer. O corpo parrudo arrepiado,
suado e explodindo de tesão, com as bolas pesando cada vez mais, devido ao
leite produzido pro momento. Até que estendeu a mão pra Abner e botou a droga
perto do nariz do capoeirista, enquanto o mesmo caía de boca na bengala.
- Bafora e chupa até eu gozar, vai? Deixa ela lustrada, engole
até tu ver teu reflexo nessa chapoca. Dá essa moral, vai?
- Não se acostuma, não, ein, doidão? – Pequeno avisou.
- Que isso, chefinho?! Eu só te fortaleço, pô! Por que o CK pode
e eu não?
- Quem disse que ele pode!? – o negão disse isso, mas continuou
não reagindo ao toque truculento e bruto do malandro alojado com a jiboia
dentro de si. – AAAihnSSS!
O dono da favela voltou a chupar até o talo, acatando a ordem e
deixando Sandro desnorteado. O cheiro da droga se misturou com o do sexo e tudo
virou uma coisa só, resultando no extremo do prazer pra todos os putos
envolvidos na putaria simultânea. Puro inferno nos chãos do Complexo do Céu na
Terra. Rápido, Abner tentou dar atenção ao tubo de droga e ao caralho ao mesmo
tempo, perdendo o fôlego e engasgando, sem tossir. A tonteira veio, o fogo no
cu dilatou e todos os caralhos presos ao seu corpo se enrijeceram, fazendo ele se
sentir no Paraíso, literalmente. Agarrado em seus quadris, estava um cafuçu
malandrão e marginal, que não sabia foder lento, enquanto a garganta era
escalavrada pela cintura impulsiva do outro macho maloqueiro e parrudo.
- Hmmm! Boquinha gostosa essa, ein!? Mama na moral mermo,
caralho! SssSS! Tá agasalhando minha piroca toda, nem a minha mina dá uma moral
dessas! FFfF, dá pra sentir essa língua envolvendo tudo, do talo à cabeça!
Foi nesse momento que, acelerado atrás de Pequeno, Erick travou
as mãos nos ombros do patrão, sentiu a vara engrossando e tomando ainda mais
volume, bem corpulenta, ao ponto de dificultar a penetração de prosseguir.
Parados, eles ficaram engatilhados, entranhados, conectados no clímax da transferência
de fogo, da troca de energias e também do inchaço. CK jogou o corpo por cima de
Abner, usou os braços pra prendê-lo e finalizou mexendo só o quadril firme e ignorante.
- OrrrrRSSS! ORrrssFFFF! Hmmmmm, caraio...
A última estocada veio e outra vez o dono do morro foi porrado
durante a curra, tendo as entranhas banhadas em sêmen quente do saco de outro
homem. Pra completar, o capoeirista sentiu o caralho babando e jorrando leite,
ou seja, gozou só tomando no cu. Como se esse combo não fosse o suficiente, um
Sandro ensopado de suor e galudo naquela cena terminou de entalar a goela do chefe.
- AAinFFFF!
- Isso, porra! ORrrSSsS!
- Filho da puta, caralho! Vô gozar, vô gozar! HmmmfffF!
Foram três cacetes ejaculando ao mesmo tempo, um no rabo, outro
na boca e o último por cima do sofá. Tendo orgasmo, Abner piscou ainda mais a
cuceta, massageando e ajudando a tromba de CK na hora de extrair e ordenhar a
porra quente e grudenta sendo bombeada pra fora do saco. E caindo diretamente
no olho da carne do cu do dono da favela. Três leitadas de uma só vez, isso
depois da primeira que inaugurou o lanche da madrugada no Morro do Paraíso.
- Chefe? – caído no sofá, CK chamou.
- Caralho, Erick... – morto, Pequeno só conseguiu respirar fundo
e relaxar o corpo exausto. – Tu me escangalhou, doidão. Puta merda...
- Ué, não foi tu quem pediu? Hehehehehe!
O malandro deu um abraço no patrão, jogou a perna por cima dele
e eles ficaram naquela posição por alguns minutos, como se tivessem chegado de
uma guerra intensa. A guerra suburbana do Rio de Janeiro, por assim dizer. Em
questão de pouco tempo, eles voltaram a usar drogas e a desfrutar daquela
putaria pesada na boca de fumo. Essa madrugada foi o episódio em que um
traficante foi sentar pros outros traficantes, marcando o início do contato
sexual intenso que Abner Pequeno e Erick CK passaram a manter a partir de
então.
A relação passional e o fato de agora dedicar
um bom tempo a foder e a saciar os instintos do próprio desejo sexual, Pequeno
se manteve o mesmo traficante nervosinho e desconfiado de sempre, truculento
com todo mundo e não levando nenhum tipo de desaforo pra casa. Erick ficava a
maior parte do tempo tentando acalmar e tranquilizar os esporros do chefe, mas
era sempre muito difícil ficar no caminho de Abner. O maior exemplo disso foi
na vez em que o dono da favela ficou sabendo, sem querer, que o mequetrefe do
Sandro tava espalhando mentiras sobre ele no morro. Foi numa manhã aleatória e
bastante ensolarada que CK e TH, bastante contrariados, invadiram o barraco do
melhor amigo pra tirar essa história a limpo.
- Que porra é essa, cês tão malucos?! – Sandrinho se assustou. –
Qual foi?!
- Levanta aí, maluco! – o entregador já foi puxando pelo braço.
– Bora, que tem alguém querendo bater um papo contigo lá fora. Pelo visto tu
continua pisando na bola, né? Vacilão!
- O chefe tá lá embaixo querendo te ver e ele não tá nem um
pouco feliz. Melhor tu brotar lá logo, sabe coé? – sem graça, o malandro cafuçu
tentou ser complacente com o parceiro.
- Me ver!? – nem o próprio Alessandro entendeu, mas mesmo assim
foi.
Quando chegou do lado de fora do barraco, só de cueca e com cara
de sono, o parrudo viu Pequeno sério, com um charuto de skunk e haxixe na boca,
preparado pra acender o isqueiro. Do lado de Abner, um galão com algum líquido
desconhecido dentro.
- Qual foi, chefia!? Porra, voltei tardão do plantão! Precisava
me acordar tão ced-
Sem nem dar um minuto pra ele observar a cena e pensar, o negão arrastou
o dedão na pedra do acendedor e botou fogo no cigarrão, puxando a fumaça e
soltando no ar corrente. Em seguida, ele propositalmente deixou o isqueiro cair
no chão, ainda aceso, e isso de repente pôs fogo numa trilha de combustível
deixada atrás de si. Só então Sandro olhou pra baixo e viu aquele rastro
incendiando, seguindo até à lateral de seu barraco, exatamente onde estava a
motocicleta nova.
- Que...?
- BUUM!! – a explosão aconteceu e tudo quanto foi ferro subiu
além das telhas ao redor.
A onda de vento que se espalhou sequer abalou Pequeno, que se
manteve na posição desafiadora, fumando o charuto de maconha e mantendo a cara
séria. Quando a ficha de Sandrinho finalmente caiu, ele pôs as mãos na cabeça,
começou a gritar, e foi imediatamente segurado e contido pelos parceiros CK e
TH.
- SEU FILHO DA PUTA, TU TÁ MALUCO?! ESSA ERA A PORRA DE UMA
HORNET, DESGRAÇADO!
Vendo o homem se transformar num bicho, Abner cruzou os braços,
se aproximou e ignorou toda aquela revolta. Olhou pra dupla de seguranças e deu
a ordem.
- Podem soltar! Solta ele! Esse babaca não é nem doido de me
encostar um dedo!
Mesmo não querendo, eles obedeceram e soltaram Sandro, que,
ciente da hierarquia da favela, não levantou as mãos pra fazer nada contra o
dono da boca de fumo. Mesmo assim, ele fechou os dedos em formato de soco e
quis muito afundar um murro no fundo dos cornos do patrão.
- POR QUE TU FEZ ISSO, SEU FILHO DE UMA PUTA?!
- Eu que te dei a porra do moto, agora tô tomando de volta. Para
de escândalo, florzinha do caralho! Isso é pra tu aprender a dar o devido valor!
Aqui é assim, ninguém é otário, não! Viado não é bagunça, não, Alessandro! Eu
já dei o papo que eu sou teu chefe, não sou teu boiola de estimação. Acho que
agora tamo acertado, não tamo?!
Sem reação, Sandrinho parou de reagir e não soube o que dizer.
Até pensou em pegar água e apagar o pequeno incêndio consumindo sua moto, mas o
estrago maior já havia sido feito. Motor, carcaça, tudo tinha sido explodido na
vingança de Abner Pequeno.
- ACERTADO?! TU TÁ MALUCO?! QUEIMANDO UMA MOTO DE 30 CONTO?! A
porra de uma hornet!?
- Tu vai aprender a me respeitar por bem ou por mal. Quem mandou
sair por aí falando merdinha!? – o negão botou a mão na cintura e foi taxativo.
– Tu tá falando por aí que me comeu, Sandro? Tu comeu o meu cu?! Fala agora, tu
me sarneou que nem tu tá contando pra meia favela, seu traste!?
Em volta deles, alguns moradores se juntaram e estavam
observando toda a situação. Envergonhado, o marginal parrudo tentou esconder o
volume da rola evidente na cueca, sentiu o fogo lambendo seus pés e continuou
parado, pensando em tudo que tava acontecendo naquela manhã inesperada.
- Isso aí. Sofre e sofre caladinho! Tu é um homem ou é um rato!?
Hehehehehe! Bora, cambada!
Abner deu meia volta, ignorou o fôlego choroso do vapor e saiu
andando, sendo seguido pela dupla de seguranças inseparáveis. Antes de saírem
dali, TH esbarrou no ombro de Sandro e falou sem olhá-lo.
- Tem que respeitar o cara, maluco. Tu vacila mais do que
respira!
Do outro lado, CK não esbarrou, porém igualmente deixou um
recado antes de sair.
- Só tu ainda não aprendeu, paizão. Uma moto cara dessa... Antes
ele tivesse dado pra mim, eu pelo menos respeito o Pequeno. – aí saiu andando,
mas parou e lembrou do mais importante. – E ó, nem pensa em tentar nada, ein?
Eu que faço a segurança do meu cria, tu vai se arrepender se tentar. Heheheheh!
Dito isso, eles saíram e deixaram o bofe chorando sozinho pela
moto destruída. Quando disse por aí que tava passando o rodo no rabo do chefe
da favela, Sandro não pensou que as coisas teriam aquelas consequências. Mas ao
menos ele poderia ter desconfiado, já que Abner nunca deixou de ser o marginal
atrevido e insubmisso que eles conheceram. Quanto mais o tempo passou, menos as
coisas mudaram: ninguém tirava Abner Pequeno pra trás. Ninguém. Foi por isso
que naquele dia de comemoração...
- Qual foi, Pequeno? Minha prima bem falou que quer dar pra tu. Ela
tá ali no canto, ó? Tá vendo? – a mulher apontou na direção da viela. – Pediu
pra eu te dar esse papo, porque ela tem namorado e o boy não pode saber,
entendeu?
Não era novidade aquele tipo de situação acontecer. Abner Pequeno
sabia bem que sua aparência de macho grande, forte, troncudo, com cara de ruim,
negão e de voz grave, chamava a atenção onde quer que ele fosse, independente
de qual área da favela estivesse. Principalmente no dia em que completava 28
anos de idade, não tinha como ser diferente. Encostado no muro lateral da
viela, o mavambo tirou a mão de cima da pistola na cinta, deu um sorriso e
segurou uma mecha do cabelo da moça entre os dedos, arrancando um risinho sem
vergonha da danada.
- Vem cá, qual é o teu nome? – ele quis saber, sem desfazer
daquele charme irresistível pra cima da rapariga.
- É Penélope. Por que?
Aí deu outro riso antes de responde-la.
- Nome de princesa, já te deram o papo? Hehehehe. É tu ou é tua
amiga que tá querendo me dar a bucetinha, Penélope?
Fez a pergunta, pôs o dedo escuro e grosso no queixo da mulher e
olhou no fundo dos olhos dela, deixando a coitada com as pernas bambas, só pela
encarada pesada e crua.
- Eu... – ela até gaguejou, incapaz de não reparar na arma
pendurada na cinta do macho. – Eu... Sou doida pra fuder contigo, Pequeno. Mas
meu namorado não pode saber, por nada nesse mundo!
Ciente de que a putaria tava certa, ele não parou de sorrir.
Deixou a mão deslizar do queixo da moça e chegar no ombro, só pra manter o
contato físico enquanto eles se olhavam compenetradamente.
- Eu sou bandido, garota. Ando armado pra cima e pra baixo nessa
favela, não tô nem aí se o puto do teu macho vai saber.
Ouvindo essa resposta, a patricinha chegou a ficar trêmula.
Mesmo morando em uma favela carioca, ela ainda se assustava com as dinâmicas
dos marginais portando fuzis e metralhadoras a todo momento diante dos seus
olhos. Mais do que isso, a safada não conseguia segurar o tesão que sentia pelo
negão corpudo e todo bruto que Abner era, apesar de se sentir nervosa com a
visão da arma presa no quadril do cafução. Ele tava sem blusa, o short caindo
pela cintura, boné pra trás, suor escorrendo no meio do peitoral e descendo
pelo tórax definido, onde ficavam os vários cordões de ouro do malandro. Os
dedos também eram cheios de anéis dourados, pra não falar do baseadinho fininho
pendurado no canto da boca, perto dos dentes de ouro. E o que dizer do
comportamento desaforado e mandão do traficante?
- Mas tem um caô, Pequeno. – ela continuou, toda sem graça. – É
que meu namorado, ele... Também é bandido. Lá em baixo, no Éden. Não queria que
ninguém se matasse por causa de buceta, tá ligado?
Foi nesse momento que eles caíram em divergência. Ao processar o
significado daquele pedido, o marginal não segurou a graça e soltou uma
gargalhada sincera na cara de assustada de Penélope, que não entendeu bem
aquela reação. Há poucos passos dali, os crias da boca de fumo viram a reação
do chefe caindo na risada e fizeram a mesma coisa, mesmo sem saber o porquê
dele estar rindo. Essa sequência de gargalhadas deixou a patricinha ainda mais
acuada, pensando duas vezes se aparecer ali e dizer tudo o que disse era o
correto.
- Ó só, vamo fazer o seguinte? – Abner Pequeno gesticulou e
tentou ser o mais didático possível. – Pra não ter caô nenhum comigo e com o
teu boy?
Ela fez que sim com a cabeça e esperou pela resposta. O
problema, pra Penélope, foi apenas um: mais do que não estar acostumada com um
putão marginal devasso e marrento daquele porte, ela não tinha chão suficiente
pra lidar com o lado sexual explícito do criminoso. Com nada a temer, Abner pôs
a mão na orelha da menina, se aproximou e sussurrou entre os risos.
- Fala pra ele que eu como a tua buceta e depois ele come o meu
cu com força, só de vingança, até me encher de porra. A mesma porra que ele
soca na tua xoxota. Tá a fim?
Os olhos da patricinha quase se cruzaram no meio do rosto, de
tão enjoada que ela ficou. Ouvindo isso, Penélope virou de costas
repentinamente, tentou correr, mas o estômago embrulhou tanto, que ela teve que
parar e liberar o vômito da ansiedade no canto do muro. Aí pronto, os crias da
boca de fumo viram isso e caíram mesmo na gargalhada, deixando Abner ainda mais
à vontade, bem do jeito que ele gostava.
- Ih, a lá! Cês viram isso, rapaziada?! Ela ficou bolada só
porque eu falei que ia comer a buceta dela, enquanto o macho dela escalavra o
meu cu! HAHAHAHAHA! Fraca do caralho, ein, doida?!
A roda de traficantes e vapores só achou graça, todo mundo rindo
junto e sentindo os efeitos estimulantes das drogas. Todos ali conheciam muito
bem o negão marrento, com jeito de putão, todo malandro, encorpado, sagaz,
sempre rindo, carismático que só ele. Do tipo de homem que toda sogra queria
como genro, exceto por dois detalhes: esse homem estava preso no corpo de um
traficante de drogas, carioca e ASSUMIDAMENTE gay, com piercing de ouro no
umbigo e tudo mais.
- Quem quer rir tem que fazer rir primeiro, ora porra! Quem essa
mina pensa que é?! Ahahahahah!
- Dá o papo nessa maluca, Pequeno! Deixa ela careca, deixa ela
careca! – os caras no plantão botaram pilha.
Sorridente e segurando um copão de bebida, o mavambo sentiu o
sol rachando no topo do céu, olhou pras vielas mais abaixo no morro e viu
aquele cenário paradisíaco e ensolarado dominando seu campo de visão. Milhares
de telhas inacabadas, muros ainda por fazer, lajes descontinuadas e o cinza do
cimento sobressaindo sob os raios de sol do verão. Calor, quentura, suor. Era o
topo do morro. Pequeno, com seus quase dois metros de altura, rindo à beça
perto dos colegas do corre, um mais maloqueiro que o outro. Aquela selva de
pedras era o seu reino. Do folclore carioca, as melhores lendas urbanas e
suburbanas são aquelas com cheiro doce e sabor refrescante, tipo as do verão
carioca.
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ABNER PEQUENO: PRESENTE
Depois de
reencontrar com o primo Fael e pagar pela instalação de um sistema de câmeras
de segurança na favela, Abner Pequeno mudou um pouco sua rotina. Naquela noite
mesmo, por exemplo, durante as primeiras horas em que sentou na laje e ficou
monitorando a comunidade através do celular, o negão capoeirista não imaginou
que estava por descobrir novos ares do mesmo Complexo, do mesmo Paraíso que ele
sempre conheceu. Passando de câmera em câmera, entre beco e viela, Pequeno
sentiu o cansaço do dia e pensou em ir dormir. Já havia fumado o baseado pra
relaxar, já tinha passado da meia noite, então nada mais justo do que
finalmente descansar. Antes disso, ele passou pela última câmera que faltava, a
do topo do morro. Do pico, bem no alto. E foi aí que Abner viu aquela pessoa
parada sozinha, de costas pra câmera. Irreconhecível, em pé, olhando pro
horizonte repleto de nuvens escuras se aproximando. Assustado, Pequeno chegou
os olhos perto do celular e não botou fé. O coração acelerou, o corpo se agitou
e imediatamente ele soube quem era aquela pessoa, por isso que a mente esquentou
tanto.
- “Não pode ser!” – pensou alto.
E não sossegou até subir na moto, apressado que só, e correr até
o local, lá no alto da colina que era o Morro do Paraíso. Quando bateu os olhos
nas costas daquele casaco e viu a pele morena, Abner não acreditou.
- Tu... O que tu tá fazendo aqui?! – foi a única coisa que
conseguiu dizer.
O sujeito escutou a voz familiar entrando pelos ouvidos, junto
com o vento, e foi tomado por uma sensação de estar em casa. Afinal de contas,
todo mundo ali o conhecia, ele era o filho número um daquele Complexo tão...
complexo? Lentamente, o sujeito virou de frente, deu um sorriso sincero e
mostrou as covinhas responsáveis por muitas cicatrizes. Depois de anos, o
cabelo agora estava mais curto, porém igualmente enrolados e com as pontas
pouco desbotadas no loiro. Os olhos de Pequeno não acreditaram no que viram. Na
realidade, quem viu não foi Abner Pequeno. Quem viu foi o único com a visão
certa e justa pra ver: Bezinho sentiu as vistas enchendo de lágrimas quando
observou o homem de frente e viu os efeitos do tempo. E da distância...
- Coé, meu cria? – meio sem graça, a figura ajeitou o óculos na
face e tornou a sorrir. – Não dei o papo que eu voltava pra tu cuidar de mim?
Bilhões de estrelas no céu noturno do subúrbio carioca. Era
terrivelmente delicioso padecer no Paraíso. Literalmente.
____
Inspirações:
https://www.youtube.com/watch?v=AFk5Sa1lVaw
https://www.youtube.com/watch?v=fat01X4Kn-M
"PARAÍSO" faz parte de VERÃO I, cujo conteúdo você confere clicando aqui.
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